Bérgamo - Região da Lombardia - Norte da Itália - 2023
- Roberto Caldas

- há 5 dias
- 21 min de leitura

Portal dos "Leões Vermelhos", obra barroca do século XIV, da Basilica di Santa Maria Maggiore, à esquerda, e a fachada da Cappella Colleoni, obra renascentista do século XV. Piazza del Duomo, Città Alta, Bérgamo, capital da província homônima, Região da Lombardia, Itália.
Bérgamo
O assentamento inicial no topo da colina, protegido pelos Pré-Alpes, foi erguido inicialmente pelos Orobii, uma tribo celta, antes da conquista pelos romanos, por volta de 200 a.C.; a cidade, em 49 a.C., tornou-se município da República Romana e, depois, do Império, passando a denominar-se Bergomum.
Após a queda do Império, no século V, Bérgamo sofreu saques pelos bárbaros invasores, tendo sido dominada pelos lombardos e depois pelos francos.
Ainda na época dos francos, o bispo Adalberto passou a governar de fato a cidade, tendo promovido, a partir de 904, várias melhorias na urbe, como a reconstrução das muralhas e portões, com o fim de permitir a defesa dela contra os ataques dos húngaros; os bispos-condes governaram a cidade por quase dois séculos.
A partir de 1098, Bérgamo tornou-se uma comuna livre e, após algumas guerras contra Bréscia por disputas territoriais, juntou-se à Liga Lombarda, instituída em 1167 e formada também por Milão, Mântua, Bolonha, Verona, Bréscia, dentre outras cidades, que se opuseram ao domínio do Sacro Império Romano-Germânico, durante o governo do imperador Frederico I, o Barba-ruiva (1155-1190).
Mas nos conflitos da Segunda Liga Lombarda contra o imperador Frederico II, o Stupor Mundi (1220-1245), neto de Barba-ruiva, Bérgamo se aliou às tropas imperiais.
Ainda no curso do século XIII, enquanto as lutas entre guelfos (partidários da Liga e do papa) e gibelinos (aliados do imperador) se intensificavam, a cidade ficou sob a influência dos Visconti de Milão, que fortificaram a Cidadela.
Após a derrota dos Visconti, em 1427, por tropas comandadas pelo Conde de Carmagnola, a serviço de Veneza, Bérgamo tornou-se, em 1428, parte do domínio da República de Veneza.
Os venezianos realizaram reformas e melhoramentos no plano urbano, como construir, ainda no século XV, a Muraine, uma nova muralha de quatro quilômetros de extensão, complementando a anterior, erguida pelos Visconti, para defender a cidade, inclusive a Città Bassa (Cidade Baixa) e as aldeias próximas; também, diante da precariedade da defesa da Città Alta, construíram uma muralha, na segunda metade do século XVI, em seu entorno, projetada pelo arquiteto florentino Bonaiuto Lorini; Bérgamo representava o último bastião ocidental da República de Veneza, também chamada de "la Serenissima", pela qual o valioso capitão de mercenários (condottiero) bergamasco Bartolomeo Colleoni também lutou.
O domínio veneziano terminou, em 1796, com a invasão das tropas revolucionárias francesas, que se seguiu à breve existência da República de Bérgamo, da República Cisalpina e do Reino da Itália, controlado pela França.
Com a Restauração Monárquica na França, Bérgamo, por determinação do Congresso de Viena, em 1815, passou a fazer parte do Reino Lombardo-Vêneto, sob o domínio austríaco, o que lhe garantiu a industrialização inicial da região graças à produção têxtil.
Durante o período austríaco, a cidade vivenciou um fervoroso Risorgimento, no contexto do movimento de unificação italiana: Garibaldi, liderando os Caçadores Alpinos, entrou triunfalmente, em 8 de junho de 1859, em Bérgamo, pondo fim ao domínio estrangeiro, sendo a província anexada ao Reino da Sardenha-Piemonte.
Em 1860, Bérgamo contribuiu com o maior número de voluntários - 179 - para a expedição de Garibaldi empreendida a partir da Sicília, fato que lhe valeu o título de "Cidade dos Mil"; nesse mesmo ano, Bergamo passou a fazer parte do recém-criado Reino da Itália.

Representação de Bérgamo no século XVI, obra de Pietro Bertelli, Theatrum Urbium Italicarum, 1599; vê-se, ao centro, a Città Alta cercada pela muralha veneziana, erguida a partir de 1561 com base no projeto do arquiteto florentino Bonaiuto Lorini. https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/b/b7/Bergamo_1599%2C_Pietro_Bertelli.png?20201018214815
Quando chegamos à cidade, paramos o carro no estacionamento subterrâneo da Piazza Libertà.
Ao sairmos do estacionamento, ingressamos na praça, momento em que nos deparamos com um palácio imponente, hoje chamado de Casa della Libertà ou Palazzo della Libertà, mas, quando de sua inauguração, na década de 1940, foi batizado de Casa Littoria.
A Casa Littoria, dedicada ao herói da cidade Antonio Locatelli - aviador, militar e político fascista, que recebeu medalha de ouro na Primeira Guerra Mundial, tendo participado do Voo sobre Viena, Áustria, junto com Gabriele D'Annunzio (ver post Lago di Garda) -, fazia parte do plano de requalificação, durante o período fascista, da área deixada livre pela demolição do antigo Ospedale Grande di San Marco (hospital).
Com o propósito de servir como sede do Partido Fascista local, foi construída entre 1937 e 1940, tendo como arquiteto Alziro Bergonzo, no estilo conhecido como Racionalismo Italiano; com algumas variações em relação ao projeto original, o edifício forma o pano de fundo norte da então nova praça que, de acordo com as intenções da Federação Fascista local, serviria como alternativa à Piazza Vittorio Veneto por ocasião das grandes manifestações.
O prédio é inteiramente revestido em mármore Zandobbio branco-rosado; esta estrutura de pedra, com fachadas de 21 metros de altura e 50 metros de largura, estende-se por três lados, adotando uma disposição modular de aberturas alternadas com pilares.
Hoje, rebatizada como Casa della Libertà, abriga a Prefeitura, os escritórios do Tribunal, o Corpo Florestal do Estado e espaços do Município, que, em 1992, deu a gestão do auditorium (auditório) à cooperativa cinematográfica Lab 80, que o transformou em um local cultural de formação intelectual.

Casa della Libertà ou Palazzo della Libertà, antiga Casa Littoria, erguida entre 1937 e 1940, projeto do arquiteto Alziro Bergonzo; a fachada principal, com vista para a praça, consiste em um imponente pórtico de doze pilares gigantes, que sustentam uma arquitrave com a inscrição: "AD ANTONIO LOCATELLI TRE VOLTE MEDAGLIA D'ORO EROE DELLA GUERRA E DELLA RIVOLUZIONE" (A Antonio Locatelli, três vezes medalha de ouro, herói da guerra e da revolução - tradução livre); à sua frente, à esquerda, a escultura I doni della terra (Os dons da terra) de Elia Ajolfi, obra de 1999; ao fundo, vê-se o campanário da Chiesa di Santa Maria e di San Marco, iniciada em 1572 e terminada em 1710, pertencente ao Ospedale Grande di San Marco (Hospital Grande), construído a partir de 1479 e demolido, entre 1936 e 1938, para dar lugar exatamente ao Palazzo della Libertà, de estilo racionalista. Bérgamo, capital da província homônima, Região da Lombardia, Itália.
Ao sairmos da Piazza Libertà com a intenção de visitarmos a Città Alta, a parte alta da antiga Bérgamo, passamos pela Piazza della Repubblica, local em que tivemos uma vista panorâmica do nosso objetivo final.

Città Alta vista a partir da Piazza della Repubblica; em destaque, à esquerda, a Porta San Giacomo, de 1592, à sua direita, o Palazzo Medolago Albani, do século XVIII; ao fundo desse conjunto, à esquerda, com grandes colunas com capitéis coríntios, Liceo Classico Statale Paolo Sarpi, construído entre 1845 e 1852 pelo arquiteto Ferdinando Crivelli; também ao fundo e ao lado do Liceu, o Palazzo Terzi, em estilo barroco, do século XVII, ampliando no século XVIII; atrás do palácio, o campanário da Basilica di Santa Maria Maggiore e no seu lado direito, a cúpula da Cattedrale di Sant’Alessandro Martire (Duomo di Bergamo); no centro, vê-se a ponta da Torre del Gombito, do século XII, com cerca de 52 metros de altura. à direita, a torre sineira da Chiesa di San Pancrazio. Bérgamo, capital da província homônima, Região da Lombardia, Itália.
Para a Città Alta (Cidade Alta), tomamos a Viale Vittorio Emanuele II, atravessamos um bairro residencial moderno, em seguida, entramos numa ampla curva, momento em encontramos a estação inferior do funicular, construído em 1886-87, que dá acesso à área mais antiga da cidade.

Bairro residencial moderno no caminho para a Città Alta. Viale Vittorio Emanuele II, por volta do número 30, Bérgamo, capital da província homônima, Região da Lombardia, Itália.

Detalhe de parte da Città Alta; vê-se, no centro, a Porta San Giacomo, considerada uma das mais belas da Cidade Alta, que foi construída em 1592, no período veneziano, com o precioso mármore branco rosado de Zandobbio, tendo, abaixo do frontão triangular, o Leão de São Marcos, símbolo da Sereníssima; no lado direito, o Palazzo Medolago Albani, localizado na Viale delle Mura (Avenida da Muralha), um magnífico exemplo da arquitetura neoclássica do século XVIII; mais ao fundo, à esquerda, a casa que pertenceu ao compositor italiano do século XIX Antonio Cagnoni. Viale Vittorio Emanuele II, por volta do número 52, Bérgamo, capital da província homônima, Região da Lombardia, Itália.
Após alcançarmos a Città Alta, empregando o funicular, dirigimo-nos à Piazza del Duomo, para visitar a Basilica di Santa Maria Maggiore, mas antes passamos em frente ao prédio ainda conhecido como Palazzo dell'Ateneo.
Em 1743, o município de Bergamo decidiu coletar todos os achados arqueológicos espalhados pela cidade para criar um museu; a coleta durou dez anos, ao final dos quais o material era tão grande que um local adequado se fazia necessário; inicialmente, a parte superior de uma fonte, conhecida como Fontanone Visconteo, foi usada como depósito para essa material arqueológico, sendo propriedade de Costantino Gallizioli, que encomendou ao arquiteto veronês Alessandro Pompei o projeto de um edifício para servir de sede do Civico Museo Archeologico, que foi erguido entre 1757 e 1768, pondo fim à utilização da parte superior da fonte, embora a bacia tenha permanecido cheia de suas águas até meados do século XX.
Ocorre que, na época da dominação francesa, no início do século XIX, estava-se procurando um lugar para abrigar o Ateneo di Bergamo; a referida instituição nascera da fusão das antigas Academias dos Eccitati e dos Arvali; a primeira fora fundada em 1642 e dedicava-se principalmente a atividades literárias; a segunda fora criada em 1769, a convite da República de Veneza, com o objetivo de introduzir sistemas inovadores na agricultura e na economia em geral; com o decreto napoleônico de 25 de dezembro de 1810, que visava a reformar e a unificar os institutos culturais, as duas instituições foram fundidas em um único órgão com o nome de Ateneo di Scienze, Lettere e Arti di Bergamo (Ateneu de Ciências, Letras e Artes de Bérgamo).
Em 1818, a Delegação Provincial Real Imperial ordenou que a sede permanente do Ateneo fosse o espaço público do então Civico Museo (Museu Cívico), acima da Fontanone, na Piazza del Duomo, onde funcionou até 1935; naquele ano, as instalações foram atribuídas à nova sede do Fascio Giovanile di Combattimento, o grupo distrital "Garibaldi" do Partido Nacional Fascista.
Hoje, o edifício pertence à administração municipal e é utilizado para exposições e mostras.
Um fato curioso: sob o edifício neoclássico do ainda conhecido como Palazzo dell'Ateneo, entre o Duomo e a Basilica di Santa Maria Maggiore, encontra-se um enorme desfiladeiro, visível através de uma estreita abertura, fechada por um portão de ferro, no lado leste do prédio, que cruza a Via Mario Lupo e a Via Gaetano Donizetti. Trata-se da chamada Fontanone Visconteo, a mais importante cisterna medieval de Bergamo, alimentada pelo aqueduto Magistrale.
Em 1342, Luchino Visconti, que governava a cidade em nome de seu irmão, o arcebispo Giovanni, mandou escavar um magnífico reservatório de água na rocha. Com capacidade para 22.000 hectolitros, a água serviria não só para saciar a sede da população, mas também como reserva em caso de cerco. O reservatório permaneceu cheio até meados do século XX.

Prédio conhecido ainda como Palazzo dell'Ateneo, em estilo neoclássico, concluído em 1768; a planta retangular é ditada pelas estruturas subjacentes da grande cisterna, a Fontanone Visconteo, construída em 1342 por ordem de Giovanni e Luchino Visconti e revestida com blocos de mármore claro e escuro; na fachada principal, nove arcos emoldurados por uma fileira de pilastras coríntias lisas, delimitados por dois vãos cegos; uma escadaria de mármore com lances opostos — sob cujo patamar um arco emoldura os jatos da fonte e a antiga placa com os nomes dos patronos e construtores — conduz à entrada do grande salão do Ateneo. Piazza del Duomo, Bérgamo, capital da província homônima, Região da Lombardia, Itália.
Ao lado do antigo prédio do Ateneo, encontra-se a Basilica di Santa Maria Maggiore.
Segundo a tradição popular, a igreja foi construída para cumprir uma promessa feita à Virgem Maria pelo povo de Bérgamo em 1133, pedindo-lhe que protegesse a cidade da peste que assolava o norte da Itália; em 15 de agosto de 1137, o bispo de Bérgamo, Gregório, abençoou a pedra fundamental da igreja, erguida no local de uma outra pré-existente do século VIII dedicada à Virgem; o "Consorzio della Fabbrica" foi criado especificamente para arrecadar doações, e o projeto foi confiado ao Mestre Fredo.
A igreja foi erguida em estilo românico maduro, típico do período, enriquecido por influências de diversas origens geográficas, incluindo as da Europa, como a região do Reno; das cinco absides originais, duas sobreviveram: a central e a sudoeste; das outras, uma foi demolida pelo condottieri Bartolomeo Colleoni, em 1472, para dar lugar à sua capela funerária, conhecida como Cappella Colleoni; uma segunda foi substituída por uma sacristia em 1485, e uma terceira foi parcialmente demolida para dar lugar à torre sineira, construída entre 1436 e 1459.
A estrutura de alvenaria revela construções em diferentes épocas, evidentemente influenciadas por diferentes recursos financeiros: a seção leste e a faixa inferior são feitas de grandes blocos regulares e bem esquadrejados; o restante é feito de blocos menores e irregulares; o arenito utilizado também apresenta cores quentes e variadas, que vão do amarelo âmbar suave ao cinza pétreo.
Entre 1351 e 1353, Giovanni da Campione empreendeu a adaptação gótica da basílica, criando o portal de mármore policromado voltado para a Piazza Vecchia com três ordens arquitetônicas sobrepostas; o pórtico, rico e elegantemente chanfrado, possui uma pequena galeria com estátuas de Santo Alexandre a cavalo e dos Santos Barnabé e Vicente, e um santuário com a Virgem e as Santas Grata e Esteria, irmãs mártires, naturais de Bergamo; em 1360, foi adicionado o segundo portal, enriquecido com painéis representando Cristo, os Apóstolos, imagens de santos, bem como figuras de trabalhadores e pedreiros em atividade; e em 1367, o mesmo Giovanni da Campione, com a ajuda de seu filho, criou a última pequena porta no canto nordeste, com materiais mais pobres e formas mais modestas.
Seguindo as instruções contidas em dois relatórios de Pellegrino Pellegrini, conhecido como Tibaldi, arquiteto milanês, datados de 1576 e 1580, iniciou-se a transformação interior da igreja, em estilo barroco, com a supressão de todos os altares laterais e de quase todas as pinturas afresco; o resultado dessa transformação coincide quase exatamente com o que vemos hoje.
O fato é que, desde então, a basílica permanece no coração da Cidade Alta, situada entre a Piazza Vecchia e a Piazza Rosate, na parte mais nobre da Bérgamo histórica, cercada pelas muralhas venezianas; sua centralidade urbana e religiosa é confirmada por ostentar duas fachadas "principais", a voltada para o sul (com o portal dos "leões brancos") e a para o norte (com o portal dos "leões vermelhos").
A Basilica di Santa Maria Maggiore foi administrada e oficiada pelo Capítulo de São Vicente desde as suas origens até 1449, quando foi separada do complexo da catedral e confiada à Congregazione della Misericordia Maggiore (Congregação da Misericórdia Maior), que reservou para si o direito de nomear o clero oficiante até hoje.

Fachada norte da Basilica di Santa Maria Maggiore, erguida a partir de 1137, em estilo românico; no centro, vê-se o Portal dos "Leões Vermelhos", voltado para a Piazza Vecchia, uma adaptação gótica criada por Giovanni da Campione, entre 1351 e 1353, em mármore policromado com três ordens arquitetônicas sobrepostas: na primeira, tem-se o grande arco da entrada; na segunda, no centro do portal, uma galeria com as imagens de Santo Alexandre a cavalo, à esquerda, de São Barnabé, e, à direita, de São Vicente; a última, um santuário com imagens representando a Virgem com o Menino, à esquerda, Santa Esteria (Asteria), e à direita, Santa Grata, obra de Andreolo de’Bianchi. Piazza del Duomo, Bérgamo, capital da província homônima, Região da Lombardia, Itália.

Cappella Colleoni; obra-prima do Renascimento italiano, erguida entre 1472 e 1477 com base no projeto de Giovanni Antonio Amadeo; para sua construção, uma das absides da Basilica di Santa Maria Maggiore foi demolida em 1472, por ordem do condottieri Bartolomeo Colleoni, capitão-general da milícia continental veneziana, para criar espaço para seu mausoléu monumental, sua capela funerária; a fachada é uma profusão de mármores brancos e vermelhos finamente trabalhados; é emoldurada por gigantescas pilastras jônicas, culminando em dois pináculos que ladeiam a galeria superior, a qual alterna colunas e pequenos candelabros formando uma sequência clara de janelas triplas ogivais em mármore; o requintado revestimento de mármore branco e rosa com padrão de diamante apresenta quatro aberturas: ao centro, uma rosácea gótica com um profundo arco alinhado com o portal de arco clássico, emoldurado por pilastras, um entablamento e um tímpano triangular; nas laterais, duas grandes janelas retangulares, apoiadas em um plinto com duplo baixo-relevo, são protegidas por uma sequência de colunas esbeltas e candelabros policromados, e coroadas por edículas ricamente decoradas que culminam em bustos dos imperadores Júlio César e Trajano; tudo isso coberto por uma cúpula assentada sobre um alto tambor octogonal e com estrutura de extradorso. Piazza del Duomo, Bérgamo, capital da província homônima, Região da Lombardia, Itália.

Nave central da Basilica di Santa Maria Maggiore, projetada e alterada no final do século XVI, em estilo barroco; balaustrada e portal do coro em madeira, do século XVI, no presbitério da igreja; ao fundo, atrás da mesa do altar, o quadro "Apóstolos ao redor do túmulo vazio da Virgem Maria, repleto de flores", uma pintura a óleo sobre tela de Camillo Procaccini, datada de 1594. Piazza del Duomo, Bérgamo, capital da província homônima, Região da Lombardia, Itália.

Um impressionante crucifixo de madeira do século XIV, instalado acima do portal do coro do presbitério; as feições de Jesus na cruz, não totalmente harmoniosas, não exatamente clássicas, com queixo muito largo, um rosto forte e arcaico; diz a tradição que era primavera de 1350, e uma senhora viúva de Bérgamo, sem filhos e já não tão jovem, conhecida apenas como Belfiore, preparava-se para uma peregrinação a Roma; chegar à Cidade Eterna era um desafio repleto de perigos; portanto, como muitos outros peregrinos, ela fez um testamento, no qual escreveu que uma quantia substancial seria usada para esculpir e pintar um grande crucifixo a ser colocado acima do altar de Santa Maria Maior, a igreja mais bela da cidade; atrás, "Nossa Senhora de Assunção com Anjos", pintura a óleo sobre gesso de Gian Paolo Cavagna, executada entre 1592-1593, conservada na abside da igreja. Basilica di Santa Maria Maggiore, Piazza del Duomo, Bérgamo, capital da província homônima, Região da Lombardia, Itália.
No presbitério, encontra-se um coro feito em madeira do século XVI, com estrutura sendo obra do entalhador Giovanni Belli, auxiliado por seu filho Alessandro; já os trabalhos de intársia, técnica semelhante à marchetaria, incrustrados nos encostos das cadeiras do coro, são de Giovan Francesco Capoferri, com base nos desenhos de Lorenzo Lotto, pintor veneziano, uma obra-prima do Renascimento Italiano.
Em 1522 ou 1524, Giovan Francesco Capoferri, um técnico em talha e em intársia, originário de Lovere, foi contratado para criar um novo coro para a igreja cívica da cidade; o Consórcio da Misericórdia supervisionou a obra, decidindo decorar os assentos da frente do coro, destinados ao clero, empregando a técnica de intársia, enquanto os assentos leigos, atrás do altar, permaneceriam sem decoração; quatro incrustações maiores também foram planejadas para as extremidades dos assentos voltados para a nave; inicialmente, o cliente confiou a produção dos cartões para as incrustações a diversos artistas, recebendo de Lotto o desenho para uma "Anunciação"; em seguida, os supervisores negociaram contratos com Lotto para todas as demais incrustações.
As trinta e seis imagens enigmáticas concebidas pelo pintor veneziano Lorenzo Lotto e incrustadas por Giovan Francesco Capoferri formam um Coro Mutus criado para estimular a meditação intelectual e espiritual.
Este itinerário "iniciático", composto por feitos renascentistas e hieróglifos, deve ser considerado uma espécie de "lugar de memória", abrangendo o conhecimento do humanismo veneziano do início do século XVI; as imagens simbólicas sintetizam visualmente temas extraídos dos diversos campos da pesquisa renascentista: Lotto desenvolveu um sincretismo de temas religiosos e arquétipos pagãos, conceitos espirituais e temas profanos, de modo que histórias bíblicas são combinadas com metáforas da alquimia, figuras caras ao hermetismo, influências da mitologia greco-romana e conceitos da filosofia neoplatônica.
Entre 1554 e 1555, dois dos filhos de Capoferri, Zinino e Alfonso, completaram o grande coro de Bergamo, com a adição do coro leigo - localizado atrás do altar -, após a morte de Capoferri, que faleceu em 1534 com apenas 37 anos, depois de concluir seu trabalho nos desenhos de Lotto.

Coro dos Leigos, localizado atrás do altar do presbitério, do século XVI; obra dos entalhadores e técnicos em intársia (espécie de marchetaria) Zinino e Alfonso, filhos de Giovan Francesco Capoferri, com base nos desenhos do pintor veneziano Lorenzo Lotto. Grande Coro da Basilica di Santa Maria Maggiore, Piazza del Duomo, Bérgamo, capital da província homônima, Região da Lombardia, Itália.

Coro dos Leigos, localizado atrás do altar do presbitério, do século XVI, vendo-se os assentos destinados aos reitores venezianos; obra dos entalhadores e técnicos em intársia (espécie de marchetaria) Zinino e Alfonso, filhos de Giovan Francesco Capoferri, com base nos desenhos do pintor veneziano Lorenzo Lotto. Grande Coro da Basilica di Santa Maria Maggiore, Piazza del Duomo, Bérgamo, capital da província homônima, Região da Lombardia, Itália.

Coro dos Religiosos, localizado na área retangular, na frente do altar do presbitério, século XVI; obra do entalhador e técnico em intársia (espécie de marchetaria) Giovan Francesco Capoferri, com base nos desenhos do pintor veneziano Lorenzo Lotto. Grande Coro da Basilica di Santa Maria Maggiore, Piazza del Duomo, Bérgamo, capital da província homônima, Região da Lombardia, Itália.

Tapeçaria flamenga representando mitologia grega, instalada na parte externa do coro, atrás do púlpito direito; a tapeçaria pertence a uma série de três, todas caracterizadas pela presença de um brasão com um cisne branco em fundo vermelho - "Série do Cisne" -, dedicadas à história, em painéis sucessivos, do mito de Frixo e Hele: os dois filhos de Atamas, rei de Tebas, eram odiados por sua madrasta Ino, que planejava oferecê-los em sacrifício aos deuses para acabar com a fome que assolava a cidade; os dois jovens foram salvos pela intervenção de Júpiter (ou Apolo), que os fez fugir para a Cólquida montados em um carneiro com um velo de ouro; Hele, porém, caiu no mar durante a fuga e morreu; Frixo, tendo chegado à terra, ofereceu o carneiro em sacrifício a Júpiter (ou Apolo); a obra, que provavelmente provém de uma manufatura flamenga (atual norte da Bélgica) ativa na segunda metade do século XVI, foi adquirida pelos representantes da Congregazione della Misericordia Maggiore entre 1627 e 1672. Basilica di Santa Maria Maggiore, Piazza del Duomo, Bérgamo, capital da província homônima, Região da Lombardia, Itália.

O teto da cúpula, encimando a nave principal; a abóbada decorada com estuque e pinturas; no centro, um afresco de 1615 ou 1616, de Giovan Paolo Cavagna retrata a "Coroação da Virgem", representando a coroação da Virgem pela Santíssima Trindade, com a representação de Deus Pai segurando um globo na mão esquerda enquanto faz um gesto de bênção com a direita; tudo banhado por uma forte luz que culmina no dourado de um coro de anjos; Jesus, seu Filho, à direita do afresco, aparece sentado em um trono de nuvens brancas e coroa a Virgem, que está posicionada um pouco mais abaixo, ajoelhada com os braços cruzados; ela veste o vestido vermelho, sinal de tristeza, e está envolta em um manto azul; acima dela aparece a pomba do Espírito Santo; ao redor da pintura central, uma série de afrescos com anjos músicos e dez profetas. Basilica di Santa Maria Maggiore, Piazza del Duomo, Bérgamo, capital da província homônima, Região da Lombardia, Itália.

Belo teto barroco da nave principal visto a partir do cruzamento do transepto. Basilica di Santa Maria Maggiore, Piazza del Duomo, Bérgamo, capital da província homônima, Região da Lombardia, Itália.

No transepto direito, a grandiosa Árvore da Vida, afresco realizado por um artista anônimo entre 1342 e 1347 na parede sul do transepto da Basílica, inspirado em um precioso panfleto de elevada espiritualidade cristã que exerceu notável influência nos campos teológico, literário e artístico do século XIV; o "Lignum Vitae" foi escrito por Boaventura da Bagnoregio em 1260 para inspirar os fiéis a repensarem a vida de Cristo, a gravarem profundamente em sua memória a vívida recordação de todos os momentos marcantes da existência de Jesus; a obra é uma das reminiscências do período gótico que sobrevivem no interior da igreja; à esquerda, estão representados Santa Clara, São Francisco, com um pergaminho na mão esquerda, onde está escrito em letras maiúsculas "EGO STIGMATA DOMINI IESU IN CORPORE MEO PORTO", e Nossa Senhora; na base da Cruz está São Boaventura, reconhecível pela presença, em sua mão, da mitra, seu atributo hagiográfico, também com um pergaminho; à direita da Árvore, da esquerda para a direita, estão São João, São Luís de Toulouse e Santo Antônio de Pádua, também com um pergaminho onde está escrito VESTIGIA "EIUS SECUTUS EST PES MEUS". Basilica di Santa Maria Maggiore, Piazza del Duomo, Bérgamo, capital da província homônima, Região da Lombardia, Itália.

Altar da nave esquerda, conhecida como Capela do Voto; abriga a tela "Virgem e o Menino, São Roque e São Sebastião", pintura a óleo, de autoria de Gian Paolo Lolmo, executada em 1587, colocada numa moldura de estuque dourado, obra de Francesco e Lorenzo Porta, da mesma época. Basilica di Santa Maria Maggiore, Piazza del Duomo, Bérgamo, capital da província homônima, Região da Lombardia, Itália.

Confessionale del Fantoni (Confessionário de Fantoni), em estilo barroco, esculpido em madeira por Andrea Fantoni, entre 1704 e 1705, e adquirido pela basílica em 1899; está localizado à esquerda da parte posterior da igreja (nave esquerda); com um espaço central reservado para o confessor e dois espaços laterais para penitentes; as paredes laterais são animadas por cornijas e pilastras alternadas; a parede central é curva e projeta-se para fora; no topo, no cimácio, encontra-se uma figura esculpida de Deus Pai; abaixo, em uma moldura oval, uma cena da "Traditio clavis" (Jesus entrega as chaves dos Céus a São Pedro); nas laterais, ainda no topo, estátuas representando a "Misericórdia", a "Sabedoria", a "Mansidão" e o "Confessionário Secreto" (Alegoria do Silêncio); na porta do espaço central, um relevo representa a cena da "Ressurreição do Filho da Viúva de Naim"; no interior, um painel representa "Moisés tirando água da rocha"; em dois painéis externos, à esquerda, a "Alegoria da Misericórdia", à direita, a "Alegoria da Justiça"; atrás do confessionário, a tapeçaria "A Circuncisão de Jesus", que faz parte da série "Histórias da Virgem e da Infância de Cristo", confeccionada em Florença (Escola dos Médicis), com base em desenhos do pintor Alessandro Allori, contratada pela Congregazione della Misericordia Maggiore, na década de 1580; a peça chegou a Bergamo no final de 1584; a ajuda dos alunos de Allori, Butteri e Pieroni, foi crucial para o desenho utilizado na tapeçaria. Basilica di Santa Maria Maggiore, Piazza del Duomo, Bérgamo, capital da província homônima, Região da Lombardia, Itália.
Na basílica também encontra-se o Monumento Funerário a Gaetano Donizetti, compositor de música lírica, nascido em Bérgamo, em 1797, e falecido na mesma cidade, em 1848, autor de duas famosas óperas, dentre outras, "Lucia de Lammermoor" e "O Elixir do Amor", representadas até hoje nas grandes casas de ópera do mundo.

Monumento Fúnebre a Gaetano Donizetti, localizado na parede do fundo da igreja, entre as naves esquerda e central; uma imponente obra escultural do suíço Vincenzo Vela, realizada entre 1852 e 1855, em mármores branco e cinza; no topo, uma figura feminina em pranto ("Harmonia das Dores"); no registro central, um teclado esculpido e um retrato de Gaetano Donizetti dentro de um medalhão; na parte inferior, na frente do sarcófago, uma lápide esculpida com querubins músicos em luto; na base, uma inscrição dedicatória dos irmãos do músico, Giuseppe e Francesco, que encomendaram a obra; desde 1875, abriga os restos mortais do grande compositor, natural de Bérgamo. Basilica di Santa Maria Maggiore, Piazza del Duomo, Bérgamo, capital da província homônima, Região da Lombardia, Itália.

Tumba do cardeal Guglielmo Longhi; no final da nave direita, encontra-se o monumento sepulcral em mármore branco do príncipe da Igreja Católica, natural de Bérgamo, realizado após 1319 e atribuído a Ugo da Campione, talvez durante o período de formação de seu filho Giovanni; um telhado de duas águas parece envolver, como uma tampa, o sarcófago funerário; no centro do monumento encontra-se o sarcófago com a figura reclinada do cardeal falecido; um anjo e um santo em oração estão colocados na cabeceira e aos pés do corpo de mármore; dois leões rampantes, o brasão da família Longhi, e o cordeiro, símbolo de Cristo, estão esculpidos na parede frontal do sarcófago, e dois leões deitados o sustentam, o da direita com as mandíbulas abertas no ato de morder um réptil; remontado na basílica em 1839, após a dessacralização do Convento de São Francisco, local onde se encontrava anteriormente, pelo governo controlado pelos franceses revolucionários desde 1796, sendo que as instalações do convento, a partir de 1803, foram utilizadas, primeiro, como prisão política, depois como presídio militar e, por fim, como prisão comum. Basilica di Santa Maria Maggiore, Piazza del Duomo, Bérgamo, capital da província homônima, Região da Lombardia, Itália.
Ao sairmos da basílica, ingressamos na Via Mario Lupo e, na altura da Piazzetta Luigi Angelini, encontramos o Lavatoio Pubblico (Lavatório Público), erguido no local no final do século XIX.
Bérgamo possui inúmeras fontes desde a Idade Média, com pelo menos dezesseis ainda em funcionamento na parte alta da cidade. Em 1889, o antigo sistema de abastecimento de água construído pela família Visconti, agora obsoleto, foi desativado com a construção do novo aqueduto.
O Lavatoio Pubblico da Piazzetta Luigi Angelini foi construído em 1891; a cidade havia sido devastada por uma epidemia de cólera em 1884, uma doença altamente contagiosa em locais onde as condições de higiene e saneamento são precárias, e que causou muitas mortes na cidade; possivelmente, o saneamento básico da cidade era péssimo e a água imprópria para consumo, tornando-se uma das fontes de contágio.
Uma longa pia de mármore branco, dividida em várias seções, com uma elegante tampa de ferro fundido e chapa metálica; ainda hoje representa um modelo de design.

Piazzetta Luigi Angelini; à esquerda, observa-se o Lavatoio Pubblico (Lavatório Público), construído em 1891, visto a partir da Via Mario Lupo, 6, Bérgamo, capital da província homônima, Região da Lombardia, Itália.

Ruelas da Città Alta, estreitas e desalinhadas; vê-se, à direita, edifício ainda com resquícios de pintura mural na fachada, tendo no térreo a Caffetteria Babilonia. Esquina das Vias Gombito e San Lorenzo, Bérgamo, capital da província homônima, Região da Lombardia, Itália.
Fontana del Gombito ou di San Pancrazio está localizada numa pequena praça em frente à igreja dedicada ao santo; construída em 1548 ou 1549, com base em desenho de Pietro e Leonardo Isabello, para servir o bairro mais rico da cidade, apresenta um formato peculiar, conhecido como "botão de jacinto", e uma bacia decorada com gárgulas medievais; restaurada diversas vezes, inclusive após os danos causados pela ocupação napoleônica, a fonte combina elementos do século XVI com mármore de Zandobbio, criando uma joia artística no coração da cidade.

Fontana del Gombito ou di San Pancrazio, Piazzetta di San Pancrazio, Bérgamo, capital da província homônima, Região da Lombardia, Itália.
Quase chegando na estação superior do funicular, nos deparamos, ainda na Via Gambito, com a Pasticceria Nessi, cuja vitrine expunha o doce típico de Bérgamo: Polenta e Osei, que significa, no dialeto bergamasco, polenta e pássaros.
A Polenta e Osei é um bolo de pão de ló recheado com creme de avelã e marasquino, coberto com pasta de amêndoas e chocolate; a Eunice não resistiu, comprou, experimentou e gostou.

Polenta e Osei, o doce típico de Bérgamo: pão de ló recheado com creme de avelã e marasquino, coberto com pasta de amêndoas e chocolate; os confeitos em cima do bolo, feitos de marzipã com chocolate, representam pássaros (osei). Pasticceria Nessi, Via Gombito, 34, Città Alta, Bérgamo, capital da província homônima, Região da Lombardia, Itália.
Por fim, utilizamos o vagão do funicular, tomado na estação da Piazza Mercato delle Scarpe, linha construída entre 1886 e 1887, para descer à cidade baixa e continuar nossa viagem pelo norte da Itália.

Vagão do Funicolare di Città Alta, inaugurado em 1887, empreendimento do engenheiro Alessandro Ferretti, que liga a Città Bassa (Cidade Baixa) à Città Alta (Cidade Alta). Bérgamo, capital da província homônima, Região da Lombardia, Itália.
Próxima parada de nossa viagem: Lago di Como, ainda na Lombardia.
Fontes
Wikipedia;
Guide: Fabuleuse Italie du Nord: Rome, Florence, Venise, pesquisa e redação de Louise Gaboury, direção de Claude Morneau, versão eletrônica, 2019, Guides de Voyage Ulysse, Québec, Canada.






Comentários