Bréscia - Parte I - Região da Lombardia - Norte da Itália - 2023
- Roberto Caldas
- 3 de nov.
- 18 min de leitura

Entrada do Castello di Brescia. Colle Cidneo, Bréscia, capital da província homônima, Região da Lombardia, Itália.
A província de Bréscia, localizada quase no centro do Vale do Pó, tem sido, desde a pré-história, o cruzamento de inúmeras rotas culturais e comerciais, gravitando no sopé da antiga Brixia (nome latino, oriundo do celta bric - altura, colina, rocca).
Assim, a cidade de Bréscia, como indica sua raiz toponímica, surgiu no Colle Cidneo (210 m acima do nível do mar, hoje ocupado pelo Castello, "falcão da Itália", sede do Museu de História Natural e do Risorgimento, antiga fortaleza) no final da Idade do Bronze, como um assentamento da Ligúria com caráter predominantemente agrícola e pastoril.
Os celtas da região deram-lhe considerável importância, tornando-a a capital dos gauleses Cenomani.
A romanização pacífica da cidade foi concluída em 27 a.C., posto que os gauleses Cenomani assinaram um tratado de aliança com Roma: o imperador Augusto a nomeou Colonia Civica Augusta Brixia, equipando-a com portões, muralhas e um aqueduto.
Sob o imperador Vespasiano (segunda metade do século I d.C.), a cidade atingiu seu auge; os edifícios públicos aumentaram, o Fórum foi reformado, do qual resta apenas uma coluna, e o Capitólio foi construído, preservando o traçado original do Templo Republicano subjacente.
O declínio de Brixia, que por vários séculos foi um dos principais centros do Império Cisalpino, começou apenas no final do século III, ofuscada pelo crescente poder de Mediolanum (atual cidade de Mediolano), que, sob o governo do imperador Diocleciano, se tornou uma das capitais do Império Romano do Ocidente.
Com a investida de Átila, rei dos Hunos, em 452, que tomou e saqueou a cidade, iniciou-se o período de invasões bárbaras que assolaram a Itália; Bréscia certamente não foi poupada, mesmo tendo desfrutado de momentos de grande vitalidade, como quando os lombardos escolheram Bréscia como sede de seu ducado e o rei Desidério e sua esposa Ansa, segundo a tradição, construíram, no século VIII, o Monastero di San Salvatore-Santa Giulia.
Bréscia, posteriormente, tornou-se uma comuna livre, passando a integrar a Liga Lombarda, instituída em 1167 e formada também por Milão, Mântua, Bolonha, Verona, dentre outras cidades, que se opuseram ao domínio do Sacro Império Romano-Germânico, particularmente durante os governos do imperador Frederico I, o Barba-ruiva (1155-1190) e do seu neto, Frederico II, o Stupor Mundi (1220-1245).
Este foi um período de grande atividade: as muralhas foram reforçadas e ampliadas, e teve início a construção do Broletto, com a Torre del Popolo, um dos edifícios municipais mais interessantes da Lombardia; da mesma época, tem-se a Rotonda (Catedral Velha), um exemplo grandioso, embora simples e austero, de uma catedral românica, que abriga os restos mortais de Berardo Maggi, bispo e senhor de Bréscia, que, durante seu reinado, conseguiu reprimir as disputas internas entre facções que estavam dilacerando a vida política da cidade.
Após a morte de Berardo Maggi, as hostilidades entre guelfos (aliados do papa e favoráveis à autonomia da Comuna) e gibelinos (a favor do imperador) recomeçaram, e a cidade, seguindo o destino da maioria das comunas, passou a ser governada por vários senhores, como os Visconti e os Malatesta; sob o domínio dos Visconti, a partir de 1337, sempre preocupados com a situação política, a cidade foi fortificada tanto no perímetro externo (as muralhas e a expansão do Castello) quanto internamente, com a criação de um sistema de defesa completo (a Cittadella Nuova).
A luta logo recomeçou por parte dos Visconti pela supremacia sobre Bréscia e o território, mas, em 1426, os representantes da cidade, exasperados com a situação, ofereceram o domínio da cidade à República de Veneza; devido à sua fidelidade à Sereníssima, Bréscia recebeu o apelido de La Leonessa, ou seja, a esposa do Leão de São Marcos (símbolo de Veneza), título proclamado pelo senado veneziano em 1438 - Brixia fidelis Fidei et Iustitiae (Bréscia, fiel à Fé e à Justiça).
Até 1797, Bréscia permaneceu vinculada à República de Veneza, exceto por um breve período de domínio francês (1509-16), um dos mais trágicos da história da cidade.
O domínio veneziano, sábio e liberal, trouxe prosperidade à cidade; o longo período de paz levou a um significativo desenvolvimento econômico e artístico: a produção de lã, seda e armas foi favorecida, pois Bréscia, como província veneziana, pôde acessar os canais comerciais que Veneza havia estabelecido há muito tempo.
Os venezianos remodelaram as estruturas defensivas do Castello di Brescia e expandiram as muralhas da cidade; o Palazzo della Loggia, uma alternativa à Cittadella fortificada dos Visconti e expressão da nova governança da República de Veneza, e o traçado da Piazza com o Monte di Pietà revelam em suas linhas a marca da arte renascentista lombardo-veneziana; também numerosos palácios foram construídos na cidade e arredores durante o governo da República de Veneza, testemunhando a estatura cultural e o poder econômico alcançados pela nobreza local.
No início do século XVIII, o Cardeal Angelo Maria Querini deu um impulso fundamental às artes e à literatura da cidade; após sua morte, legou suas coleções, em particular a Biblioteca Queriniana, que havia fundado, à Prefeitura; o prelado também concluiu as obras do Duomo Nuovo e contribuiu para a renovação arquitetônica e pictórica das igrejas da cidade e da província.
Em 1796, a campanha vitoriosa do jovem Napoleão na Itália precipitou os acontecimentos, passando os franceses a dominar grandes regiões da península; em 1797, Bréscia juntou-se à República Cisalpina e fez parte do Reino da Itália (criado pelos franceses) até 1814.
Após a derrocada dos franceses na Lombardia, Bréscia foi submetida ao domínio austríaco, mas sempre resistiu aos "estrangeiros", se destacando nas batalhas do Risorgimento, inclusive no episódio que ficou conhecido como os "Dez Dias", em 1849 - Le Dieci giornate di Brescia.
Em 1859, ou seja, dez anos depois, foi libertada pelas tropas franco-piemontesas e, anexada ao Estado nascente, inicialmente como Reino da Sardenha, e, em 1861, como Reino da Itália, acompanhando seus acontecimentos a partir de então.
Entre as duas guerras mundiais, Bréscia assumiu uma nova aparência urbana: a demolição das muralhas no século XIX abriu a cidade para os arredores, e o centro histórico foi marcado, na década de 1930, pela inauguração da Piazza Vittoria, projetada por Marcello Piacentini, construída sobre a demolição do antigo bairro medieval ao sul da Piazza della Loggia.
A reconstrução após os bombardeios da Segunda Guerra Mundial (1944-45) trouxe a cidade ao seu estado atual.

Gravura mostrando o mapa de Bréscia no final do século XVII ou início do século XVIII; obra de Pierre Mortier; à nordeste da gravura, vê-se a colina Cidneo, onde nasceu a cidade celta (Brixia) e foi erguido o Castello di Brescia; à esquerda do castelo, na via que leva à porta norte da cidade, observa-se a Chiesa dei Santi Faustino e Giovita; ao sul dessa igreja, na altura do bastião sudoeste do castelo, tem-se a Chiesa di Santa Maria del Carmine; mais ao sul, seguindo a ponta do bastião sudoeste do castelo em direção à Piazza della Loggia, encontra-se a Chiesa di San Giuseppe; à esquerda dessa igreja, na mesma altura do mapa, está a Chiesa di San Giovanni Evangelista; mais ao sul, entre as duas igrejas, encontram-se o Palazzo della Loggia (com sua grande cúpula) e a Piazza della Loggia; à direita (leste) da Piazza della Loggia, observa-se o Palazzo Broletto; ao sul desse palácio, na sequência, veem-se o Duomo Nuovo (Cattedrale Estiva di Santa Maria Assunta) e o Duomo Vecchio (Concattedrale Invernale di Santa Maria Assunta, conhecida como La Rotonda). Mappa di Brescia a inizio Settecento Pierre Mortier (1661-1711). Foto de: Giovanni Dall'Orto, 21-7-2006.

Vista parcial da cidade antiga de Bréscia a partir do Bastione di San Faustino do Castello di Brescia; em destaque, à esquerda, vê-se a cúpula do Palazzo della Loggia, tendo, ao seu lado, com a torre de base quadrada e abertura em cada lado, a Chiesa di San Giuseppe; ao centro, com cúpula central, a Chiesa di Santa Maria della Pace; à direita, com torre de base quadrada e duas aberturas de cada lado, a Chiesa di San Giovanni Evangelista. Bréscia, capital da província homônima, Região da Lombardia, Itália.

Vista parcial da cidade antiga de Bréscia a partir do Bastione di San Faustino do Castello di Brescia; em destaque, à direita, depois do campo de futebol e ao lado da Università degli Studi di Brescia, vê-se, com torre de base quadrada e quatro aberturas, a Chiesa dei Santi Faustino e Giovita; à esquerda, também com a torre de base quadrada, a Chiesa di Santa Maria del Carmine. Bréscia, capital da província homônima, Região da Lombardia, Itália.
Começamos nosso passeio pelo Castello di Brescia, uma imponente fortaleza medieval erguida na colina Cidneo, que domina o horizonte da cidade; construída sobre antigos assentamentos celtas e romanos, passou por constantes transformações ao longo dos séculos, com expansões e reformas realizadas por venezianos, franceses e austríacos.
A fundação da chamada Torre Mirabella provavelmente data do final do Período Imperial Romano; um antigo martírio cristão foi descoberto, perpetuando a vocação de culto do local até a era cristã.
Após os saques dos visigodos, hunos e hérulos, e um período de presença ostrogoda, do qual restam poucos vestígios documentais e materiais, mas que foi muito importante para a cidade, os novos governantes, os lombardos, exploraram a colina pela primeira vez para fins defensivos, construindo o primeiro castrum.
Durante a Idade Média (séculos V-XV), em consonância com a vocação religiosa da colina, foram construídas diversas igrejas, sendo a mais importante a de Santo Stefano in Arce; toda a base da estrutura, bem como outras estruturas elevadas, incluindo uma das duas torres sineiras, permanecem cobertas pelo gramado da chamada Piazzale della Mirabella ou del Mastio.
Durante o período Visconti (família de Milão) e o intervalo Malatesta (1337-1426), as obras do castelo foram racionalizadas, demolindo edifícios antigos e construindo o Mastio (a torre de menagem) sobre o templo romano e os armazéns de azeite, graças à vontade de Luchino Visconti e seu irmão Giovanni, que também encomendaram os afrescos que ainda hoje são visíveis.
O primeiro período de domínio veneziano, iniciado em 1426, foi marcado por uma significativa modernização das estruturas do castelo, começando com a expansão de uma antiga torre quadrangular dos Visconti para uma redonda mais moderna, a Torre dei Prigionieri; graças ao trabalho de Giacomo Coltrino, uma nova torre foi construída para substituir uma antiga que havia desabado, passando a ser conhecida, por conta disso, como Torre Coltrina.
O breve período de ocupação francesa (1509-16) foi particularmente significativo para o Castello di Brescia, pois as necessidades defensivas levaram os novos governantes a expandir um sistema de fortificação de última geração sob o prado de Mirabella, apropriadamente chamado de Torre dei Francesi.
Foi com o retorno dos venezianos, a partir de 1516, que o castelo conheceu seu maior desenvolvimento, com a construção de uma nova muralha abaluartada e o alargamento da Strada del Soccorso; os bastiões de San Pietro, San Marco, San Faustino e da Pusterla ou do Soccorso também foram construídos; a fortaleza também foi equipada com inúmeras canhoneiras e abrigos para rifles, bem como edifícios para armazenamento de suprimentos (o Grande Miglio), fornos, quartéis, edifícios religiosos, cisternas, depósitos de artilharia (o Piccolo Miglio) e paióis de pólvora.
Durante o período napoleônico, a partir de 1797, o castelo, que estava em declínio há algum tempo, não sofreu alterações e foi usado principalmente como prisão.
Com a transição da ocupação francesa para a austríaca, em 1814, o castelo assumiu novas funções estratégicas; os austríacos concentraram-se na readaptação dos edifícios e quartéis militares, dando ao castelo a aparência de um grande quartel; no entanto, a zona do Mastio (torre de menagem), foi, em grande parte, abandonada.
Em 1859, Bréscia tornou-se imediatamente parte do Reino da Sardenha, posteriormente transformado no novo Reino da Itália (1861); o castelo, aproveitando as estruturas austríacas, continuou a servir de quartel para as tropas italianas; já o Mastio (Torre de Menagem) foi usado como prisão militar; na virada do século XX, graças à iniciativa do Capitão Sorelli, iniciaram-se as obras de restauração dos edifícios mais antigos e inseguros, passando a utilizar-se os interiores da Torre de Menagem (Mastio).
Hoje o Castelo, além de outros equipamentos, como o Observatório Cidnea, abriga dois museus: Museo delle Armi “Luigi Marzoli”, no interior do Mastio Visconteo do século XIV, expondo uma das melhores coleções de armaduras e armas antigas da Europa, que recontam a longa tradição de fabricação de armas de Bréscia, documentando sua evolução tecnológica e artística entre os séculos XV e XVIII; e o Museo del Risorgimento Leonessa d’Italia, instalado no prédio do Grande Miglio, que relata o Risorgimento como um fenômeno de importância europeia e de relevância premente nos dias de hoje. Pinturas, esculturas, relíquias e "relíquias" são interpretadas e apresentadas como manifestações materiais da longa e complexa história que culminou na unificação italiana. Um rico acervo digital acompanha e complementa uma narrativa que chega até os dias atuais, envolvendo os visitantes nos eventos que colocaram Bréscia no centro do longo Risorgimento, tornando-a mundialmente conhecida como a “Leoa da Itália”.

O Castello di Brescia no detalhe do mapa de Bréscia no início do século XVIII, obra de Pierre Mortier (1661-1711); observam-se, no desenho, os bastiões construídos pelos venezianos após a expulsão dos franceses: Bastioni di San Faustino (sudoeste), di San Marco (sudeste), del Soccorso (noroeste), tendo sobre ele a Torre Coltrina, e di San Pietro (nordeste), tendo sobre ele a Torre dei Francesi; na parte oeste, tem-se a Torre di Mezzo; ao seu lado, o prédio mais comprido, o Grande Miglio; no centro, o Mastio (o castelo medieval dos Visconti), a Torre dei Prigionieri e a Torre Mirabella, a mais antiga e mais alta (provavelmente uma das torres da Chiesa Paleocristiane di San Stefano in Arce, erguida sobre fundações romanas mais antigas). Il castello di Brescia. Dettaglio dalla mappa di Brescia a fine Seicento o a inizio Settecento. Incisione. Foto de: Giovanni Dall'Orto , 24-7-2006

Placa representando o Castello di Brescia em 1800, antes da restauração iniciada pelo Capitão Carlo Sorelli, comandante da companhia da então prisão militar entre 1890 e 1900, com emprego dos prisioneiros como mão de obra. Bréscia, capital da província homônima, Região da Lombardia, Itália.

Entrada monumental do Castello di Brescia; o portal de entrada data do século XVI (1580) e já teve uma ponte levadiça. Colle Cidneo, Bréscia, capital da província homônima, Região da Lombardia, Itália.

No portal do Castello di Brescia, pode-se ainda admirar o Leão de São Marcos, uma lembrança do domínio da República de Veneza sobre a cidade por quase quatro séculos (1426-1797). Colle Cidneo, Bréscia, capital da província homônima, Região da Lombardia, Itália.

No Portal do Castello di Brescia, brasões de reitores venezianos (magistrados supremos da cidade durante o domínio veneziano, cuidadosamente escolhidos pelo Doge e pelo Senado entre os patrícios mais proeminentes da Sereníssima).Colle Cidneo, Bréscia, capital da província homônima, Região da Lombardia, Itália.
O Bastião de São Marcos é o único construído segundo uma geometria canônica e equipado com "orelhões" em ambos os lados, em cuja base ainda são visíveis as aberturas utilizadas pelos sitiados durante o assédio; neste bastião, em 30 de maio de 1953, entrou em operação o telescópio que aproximou o povo de Bréscia das maravilhas do cosmos; o observatório astronômico "Angelo Ferretti" é um dos muitos tesouros do castelo, onde se encontra o histórico refrator Ruggeri, com lentes de 12 cm de diâmetro.

Bastione di San Marco, século XVI, Castello di Brescia, Colle Cidneo, Bréscia, capital da província homônima, Região da Lombardia, Itália.
Ao lado do portão de entrada, além do Palacete Haynau, ergue-se o Bastião de São Faustino, parcialmente construído com muralhas medievais; de fato, no lado oeste, é visível uma textura composta por fiadas de pedra alternadas com fiadas de tijolo; o bastião, juntamente com os demais, foi uma das fortificações mais importantes na defesa do próprio castelo; hoje, a partir dele, pode-se desfrutar de uma vista esplêndida da cidade.

Bastione di San Faustino, século XV, Castello di Brescia, Colle Cidneo, Bréscia, capital da província homônima, Região da Lombardia, Itália.
Sobre o Bastião de São Faustino, encontra-se a Piazzale della Locomotiva, que abriga uma verdadeira locomotiva a vapor, a famosa nº 1 da Ferrovia Brescia-Edolo, colocada aqui em 1961 pelo Clube Ferroviário de Brescia como um monumento ao fim da tração a vapor nesta linha (o primeiro exemplo de um monumento ferroviário na Itália).

Locomotiva a vapor nº 1 da Ferrovia Brescia-Edolo. Piazzale della Locomotiva, Bastione di San Faustino, Castello di Brescia, Colle Cidneo, Bréscia, capital da província homônima, Região da Lombardia, Itália.

Torre del Mezzo (Torre do Meio). Castello di Brescia, Colle Cidneo, Bréscia, capital da província homônima, Região da Lombardia, Itália.
A Torre Coltrina, atribuída ao engenheiro Jacopo Coltrino, de quem deriva o nome, está localizada no setor noroeste do Castelo; tem forma cilíndrica, com um diâmetro de aproximadamente 15 metros e uma base tronco-cônica de 12 metros de altura, em dois níveis; está conectada a uma portinhola coberta por uma abóbada hemisférica, com várias aberturas circulares de ventilação; a plataforma superior é acessível ao público e oferece vistas deslumbrantes dos Alpes; especialmente em dias claros, uma grande parte da cadeia alpina pode ser vista.
A torre tem comandamento sobre o Bastione del Soccorso, uma estrutura bastante complexa, datada de 1523 (com exceção de algumas partes que se acredita serem anteriores); as muralhas do bastião são notáveis por terem mais de quatro metros de espessura; dali, era possível seguir para oeste até uma casamata com uma grande portinhola (que dava para a atual Fossa Bagni); para norte, para outra casamata, também equipada com portinhola; e para leste, através de um túnel, conhecido como Strada del Soccorso (resgate), até a entrada de emergência do Castelo; uma rampa conectava um pequeno forte abaixo, que defendia um portão equipado com uma ponte levadiça; o forte consistia em duas estruturas fortificadas separadas, posicionadas para defender essa entrada; era um acesso de emergência ao castelo, uma espécie de porta de serviço que permitia aos sitiados receber ajuda externa; isso ocorreu em 1849, durante os Dez Dias de Guerra, quando o general Haynau entrou no castelo, libertando a guarnição austríaca do cerco; a aparência atual do portão remonta a 1523, quando as antigas estruturas foram modificadas por serem vulneráveis ao cerco francês (1512).

Torre Coltrina; abaixo, à esquerda, vê-se a escada que leva ao Bastione del Soccorso. Castello di Brescia, Colle Cidneo, Bréscia, capital da província homônima, Região da Lombardia, Itália.
Em seguida, nos dirigimos ao centro do castelo, onde nos deparamos com a Ponte Levatoio della Rocca Viscontea (Ponte Levadiça da Fortaleza dos Visconti).
A ponte levadiça separa a parte mais antiga do Castelo de Bréscia da seção do século XVI; foi provavelmente construída ao mesmo tempo que o Mastio (Torre de Menagem) por Giovanni e Luchino Visconti, por volta de 1343; a ponte ainda apresenta uma estrutura medieval da primeira metade do século XIV.
Originalmente, o Castelo de Bréscia limitava-se a esta parte (a dos Visconti), de modo que a ponte levadiça assumiu uma função defensiva e de controle específica, que, ao longo dos séculos, se perdeu; a estrutura também se destaca pela presença das ameias que coroam todo o perímetro da muralha desta parte do castelo.
Durante a visita, nos deparamos com uma exposição ao ar livre, realizada de 26 de maio de 2023 a 15 de janeiro de 2024, que oferecia um passeio por esculturas animalescas, dentre elas, gorilas, de Davide Rivalta, nos espaços verdes do Falcone d'Italia; o escultor bolonhês, dessa forma, brincava com os encontros aleatórios entre humanos e animais, evocando uma paisagem distante e selvagem, em contraste com a rotina diária; também lembrava a memória do Jardim Zoológico, que funcionou perto da área fortificada entre 1912 e 1988.

A muralha dos Visconti, a segunda entrada do castelo (Mastio) por meio da Ponte Levatoio della Rocca Viscontea (Ponte Levadiça da Fortaleza dos Visconti) e a Torre dei Prigionieri, vistas do norte para o sul; no fundo do fosso, um dos gorilas de Davide Rivalta. Castello di Brescia, Colle Cidneo, Bréscia, capital da província homônima, Região da Lombardia, Itália.
A Torre dei Prigionieri (Torre dos Prisioneiros) é estruturada em cinco níveis em casamatas equipadas com portinholas radiais; tem formato circular com base em cone truncado, com diâmetro aproximado de 10 metros e altura de 20 metros; os quatro primeiros níveis são facilmente acessíveis, enquanto o último, o mais baixo, só pode ser alcançado descendo por uma abertura na parede da torre; é a única torre sem aberturas para artilharia, mesmo leve; este fato, combinado com sua tipologia, sugere que ela remonta ao período Visconti (1337-1403); também foi construída sobre os restos de uma estrutura da época romana, um detalhe visível no segundo nível graças a duas pequenas cisternas da época Flaviana localizadas na escadaria.

A Torre dei Prigionieri (Torre dos Prisioneiros), vista do leste para o oeste; uma observação panorâmica da torre dos prisioneiros e das ameias de estilo medieval das muralhas; erguida provavelmente pelos Visconti sobre os restos de uma estrutura do período romano, a torre foi melhorada pelos venezianos; no fosso, mais uma escultura representando um gorila da autoria do artista Davide Rivalta. Castello di Brescia, Colle Cidneo, Bréscia, capital da província homônima, Região da Lombardia, Itália.

Vista da Muralha dos Visconti onde é possível ver a ponta da Torre Mirabella. Castello di Brescia, Colle Cidneo, Bréscia, capital da província homônima, Região da Lombardia, Itália.

A Torre dei Francesi (Torre dos Franceses), localizada sobre o Bastione di San Pietro; erguida pelos franceses no período em que dominaram Bréscia, de 1509 a 1516. Castello di Brescia, Colle Cidneo, Bréscia, capital da província homônima, Região da Lombardia, Itália.

A segunda entrada do castelo (Mastio dos Visconti) por meio da ponte levadiça; cinta amuralhada do século XIV com ingresso dotado de dupla ponte levadiça; à sua direita, eleva-se a Torre dei Prigionieri. Castello di Brescia, Colle Cidneo, Bréscia, capital da província homônima, Região da Lombardia, Itália.

Ao lado esquerdo do segundo arco da entrada do Mastio Visconteo, no caminho da ronda, encontra-se no nicho a Madona e o Menino; ao lado esquerdo do nicho, a frase: "Que Maria proteja em nossas almas a fé e a força com que Bréscia deu sublimes heróis de Deus e da pátria ao longo dos séculos" (tradução livre do italiano). Castello di Brescia, Colle Cidneo, Bréscia, capital da província homônima, Região da Lombardia, Itália.

Torre Mirabella, provavelmente erguida sobre o que restou de uma das torres da Chiesa Paleocristiane di San Stefano in Arce, que fora construída possivelmente no século V sobre fundações de um templo pagão romano, cujas ruínas encontram-se enterradas sob o gramado. Mastio Viscoteo, Castello di Brescia, Colle Cidneo, Bréscia, capital da província homônima, Região da Lombardia, Itália.
Descemos para o centro histórico de Bréscia, iniciando nosso passeio pela Piazza della Loggia, onde se encontra o Palazzo della Logia.
Construída no século XV, a praça, localizada no centro da cidade, é um ponto de encontro de moradores e turistas, mantendo o seu charme ao longo dos anos.
Já o Palazzo della Logia, erguido entre 1492 e 1570 no estilo renascentista veneziano, como a praça de mesmo nome, é imponente, porém simples e limpo; encomendado pelas autoridades municipais para abrigar os escritórios dos magistrados da cidade, na sua construção, houve contribuição dos respeitados arquitetos Andrea Palladio e Jacopo Sansovino; a fachada, feita de mármore de Botticino, apresenta colunas e pilastras com ricas decorações escultóricas; na parte inferior, vê-se um grande pórtico, acessível por meio dos três largos arcos.
Hoje, o palácio é sede do Conselho Municipal de Bréscia, órgão colegiado do governo do município.

Palazzo della Loggia, com seu bela fachada de mármore de Botticino voltada para a praça e seu amplo pórtico, acessado por meio de três largos arcos. Piazza della Loggia, Bréscia, capital da província homônima, Região da Lombardia, Itália.

Parte central da fachada principal do Palazzo della Loggia, na qual encontra-se inscrito o título outorgado por Veneza a Bréscia, em razão de sua fidelidade: Brixia fidelis Fidei et Iustitiae (Bréscia, fiel à Fé e à Justiça); acima e abaixo, exemplos da rica decoração escultórica da fachada. Piazza della Loggia, Bréscia, capital da província homônima, Região da Lombardia, Itália.

Portal sob o grande pórtico do Palazzo della Loggia, projetado por Stefano Lamberti, em 1552, e posteriormente executado por Nicolò da Grado, ladeado por quatro colunas coríntias e duas fontes em mármore Botticino. Piazza della Loggia, Bréscia, capital da província homônima, Região da Lombardia, Itália.
No pórtico do Palazzo della Loggia encontra-se uma placa comemorativa do heroísmo do povo de Bréscia, relativo ao episódio conhecido como Le Dieci Giornate di Brescia (Os Dez Dias de Bréscia), ocorrido em 1849, durante o movimento Risorgimento Italiano, em oposição ao domínio austríaco.
Na fase mais delicada do Risorgimento, em 1848, o povo de Bréscia organizou um comitê clandestino liderado pelo patriota Tito Speri e pelo pároco de Serle, Dom Pietro Boifava; em 23 de março de 1849, a notícia da cobrança, pelos austríacos, de uma multa substancial, imposta aos cidadãos após a formação de um Governo Provisório em 1848, desencadeou uma rebelião coletiva contra os governantes dos Habsburgos; a faísca também foi acesa por informações desencontradas oriundas do front da segunda fase da Primeira Guerra da Independência (1848-1849), declarada por Carlos Alberto, rei da Sardenha-Piemonte, numa tentativa de reconquista, após os acontecimentos de 1848, com vista a libertar os territórios reconhecidos como originalmente italianos em poder dos austríacos: chegaram falsas notícias sobre a vitória das tropas dos Saboia, misturadas com despachos reais dando conta da derrota piemontesa em Novara (23 de março de 1849), seguida pela abdicação de Carlos Alberto e a assinatura do armistício de Vignale (24 de março de 1849) entre o novo rei, Vittorio Emanuele II, e o general austríaco Radetzky.
Bréscia, tendo se rebelado, confiante na ajuda piemontesa, optou por não se render aos austríacos, engajando-se em dez longos dias de resistência, com a participação do povo, que lutou arduamente de casa em casa e atrás de barricadas erguidas em postos-chaves da cidade, enquanto os austríacos, entrincheirados no castelo, bombardeavam o perímetro urbano; a cidade inteira se tornou um teatro de guerra: os campanários e torres da cidade foram usados como vigias e como bases de operações para atiradores de elite; até mesmo os símbolos mais emblemáticos do município foram alvos de granadas dos Habsburgos, como a Loggia, onde o buraco causado por uma bala austríaca disparada do castelo ainda permanece na base de uma das muralhas do Salone Vanvitelliano; os insurgentes, liderados por Tito Speri, confrontaram os austríacos em todos os cantos da cidade; barricadas foram erguidas na Porta Torrelunga, na Contrada San Barnaba, na Contrada Sant'Urbano e em muitos outros lugares; os brescianos também se envolveram em confrontos violentos com os austríacos em Ronchi e Sant'Eufemia della Fonte.
A rendição do povo de Bréscia só ocorreu em 1º de abril de 1849, após o general Haynau ter acorrido em auxílio à guarnição austríaca cercada no castelo; na noite de 31 de março, utilizando a Strada del Soccorso, uma passagem secreta que ligava a cidade ao topo do castelo, novas guarnições lideradas por Haynau conseguiram chegar à colina Cidneo; a insurreição foi sangrentamente esmagada, com uma repressão violenta, especialmente contra civis, que foram subjugados por execuções que continuaram até 12 de agosto, data da anistia decretada pelo general Radetzky; os insurgentes capturados foram trancados no castelo ou na prisão de Sant'Urbano, e muitos deles foram fuzilados.

Placa comemorativa de Le Dieci Giornate di Brescia, transcrevendo o Decreto de Humberto I, rei da Itália, assinado em 20 de março de 1898, que determinou que fosse cunhada uma medalha de ouro, outorgada à Comuna de Bréscia, "como perene recordação dos fatos heroicos e como atestado da gratidão nacional" (tradução livre do italiano). Piazza della Loggia, Bréscia, capital da província homônima, Região da Lombardia, Itália.
No próximo post, continuamos em Bréscia, na Piazza della Logia.
Fontes:
Wikipedia;
Guide: Fabuleuse Italie du Nord: Rome, Florence, Venise, pesquisa e redação de Louise Gaboury, direção de Claude Morneau, versão eletrônica, 2019, Guides de Voyage Ulysse, Québec, Canada.


