Trieste - Parte I - Região de Friuli-Venezia Giulia - Norte da Itália - 2023
- Roberto Caldas
- 1 de mai.
- 15 min de leitura

Trieste - Parte I
Há notícia de que a região já era ocupada no II milênio a.C. por uma população ilíria, que, no século X e IX a.C., entrou em contato com outro povo indo-europeu, vêneto, de quem recebeu influência cultural.
O local, na língua ilíria, chamava-se originalmente "Tergeste", literalmente, "mercado do este"; os romanos, ao conquistá-lo militarmente, passaram a chamá-lo de "Tergestum", isto é, "fazer três vezes a guerra", alusão à necessidade de três batalhas para vencer o povo autóctone.
A região passou a ser conhecida como Veneza e Ístria, com a capital em Aquileia, fundada pelos romanos em 181 a.C.
Já Trieste possivelmente foi colonizada por volta do século I a.C., com a instalação de uma fortaleza na colina de San Giusto; a cidade se desenvolveu e prosperou na época do Império Romano, a partir do século I d.C., impondo-se como um dos mais importantes portos do alto Adriático; o núcleo populacional se instalou no interior da alta muralha (tendo como portão sul o chamado Arco de Ricardo, existente até hoje), enriquecido por prédios públicos importantes, como o fórum e o teatro.
Após a queda do Império Romano do Ocidente, em 476, a cidade passou ao domínio do Império Bizantino (anteriormente chamado Império Romano do Oriente) até 788, quando foi ocupada pelos francos; no século XII, tornou-se uma comuna livre e, após séculos de lutas contra a rival Veneza, colocou-se sob a proteção do Duque da Áustria; mesmo assim, manteve considerável autonomia até o século XVII.
Por conta dessa relação estreita com a Áustria, Trieste tornou-se porto franco em 1719 e a única saída para o Mar Adriático do Império Austríaco; assim, foi objeto de muitos investimentos que promoveram seu desenvolvimento, tornando-se, em 1867, com a criação do Império Austro-Húngaro naquele ano, a capital da região Adriatisches Küstenland (Costa Adriática do Império).
Não obstante seu status de primeiro porto do Império Austro-Húngaro, Trieste sempre manteve laços culturais muito próximos com a Itália, ao longo dos séculos; assim, mesmo que a língua oficial da burocracia fosse o alemão, um dialeto italiano era a do comércio e da cultura.
Em razão do pretenso protecionismo do império às etnias germânicas e eslavas da região, Trieste, junto com Trento, impulsionadas por suas classes burguesas (incluindo a rica colônia judaica), passaram a ser os centros do Irredentismo, movimento que, nas últimas décadas do século XIX e início do XX, aspirava à anexação da região (agora conhecida como Venezia Giulia) à Itália.
A reação do império foi dura: em 1913, o príncipe Conrado de Hohenlohe-Schillingsfürst, governador do Litoral Austríaco, publicou um decreto prevendo a expulsão dos italianos do território; os apoiadores do administrador, nacionalistas eslavos, realizaram uma manifestação pública contra a Itália, gritando: "Vida longa a Hohenlohe! Abaixo a Itália! Italianos ao mar!", e depois tentaram invadir o Consulado do Reino da Itália.
No fim da Primeira Grande Guerra, em que Império Austro-Húngaro e o Reino da Itália estiveram em lados opostos, o Exército Real italiano, em 1918, entrou em Trieste, aclamado pela maioria da população.
Com a assinatura do Tratado de Rapallo, em 1920, Trieste passou a pertencer definitivamente ao Reino da Itália.
Após o fim da Segunda Guerra Mundial, Trieste passou a ser objeto de disputa entre a Itália e a então Iugoslávia; a solução, na época, foi a criação do Território Livre de Trieste, em 1947, tendo uma zona A administrada pelos anglo-americanos e a zona B, pelos iugoslavos, patrocinados pelos soviéticos.
Essa situação perdurou até 1954, quando o território foi dividido entre Itália e Iugoslávia, sendo que esta ficou com algumas comunas da região e aquela terminou por incorporar definitivamente Trieste, que, em 1962, tornou-se capital da região Friuli-Venezia Giulia. A divisão tornou-se permanente com a assinatura do Tratado de Osimo.
Nos aproximamos de Trieste pelo norte, e, no litoral, nos deparamos com o complexo de Miramare.

O Castello di Miramare foi construído em pedra branca da Ístria entre 1856 e 1860 como residência do arquiduque Maximiliano de Habsburgo (então vice-rei do Reino Lombardo-Vêneto e futuro imperador do México) e sua esposa, a princesa Carlota da Bélgica, que se apaixonaram pela beleza acidentada do promontório de Grignano, na época quase desprovido de vegetação, tanto que decidiram construir um castelo que seguisse as linhas da costa, abraçando-a cenicamente.


Em seguida, nos dirigimos ao alto da colina de San Giusto, na cidade, onde encontra-se a Cattedrale di San Giusto.
As modificações e o desenvolvimento gradual dos edifícios de culto na colina de San Giusto atestam a vitalidade da Igreja local do séc. V, isto é, desde então, sobre as ruínas de um provável templo dedicado à Tríade Capitolina (Júpiter, Juno, Minerva), a basílica cristã foi construída sobre o propileu romano (entrada monumental composta por colunatas e escadas), da qual permanecem vestígios inconfundíveis.
A Basílica de San Giusto, obtida a partir da ampliação de uma basílica paleocristã provavelmente do século V, foi dedicada a San Giusto desde então. Os restos dos mosaicos do piso da atual nave central e da nave esquerda pertencem a esta basílica primitiva. Já no século VI, houve uma ampliação por obra do bispo Frugifero, com a adição da abside.
Houve várias construções e modificações antes da atual catedral, que agora tem cinco naves assimétricas em comprimento e posicionamento das colunas.
Do edifício cristão primitivo restam apenas alguns vestígios, substituídos no início da Idade Média por duas igrejas paralelas, fundidas, durante o século XIV, numa única basílica de cinco naves, como é hoje.
O povo de Trieste queria uma grande catedral e para criá-la economicamente combinaram duas igrejas anteriores, a Chiesa di Santa Maria e Chiesa di San Giusto, reaproveitando também vestígios romanos, como os batentes dos portais. Por isso a fachada, onde se destaca a rosácea gótica do século XIV, é assimétrica.
Uma das áreas mais interessantes da atual basílica é, sem dúvida, a abside com mosaicos estilo bizantino do início do século XII, feitos por habilidosos artistas de Veneza. Elas retratam Nossa Senhora da Assunção no trono apresentando seu filho, com os arcanjos Miguel e Gabriel ao seu lado. Também na abside há um mosaico do século XIII que representa Cristo pisando na áspide (espécie de serpente) entre os santos Giusto e Servolo. Restos de afrescos retratando a vida de San Giusto são obras do século XIII de um pintor local, que também pintou figuras de animais.

O atual Campanile di San Giusto (Campanário de San Giusto), construído no século XIV, contém internamente os restos de uma construção romana que foi parcialmente utilizada para a construção da primeira torre sineira do século XIII.
Este edifício romano constituía a entrada monumental (propileu, que remonta ao século I d.C.) que permitia o acesso a uma área pública atrás.
No nicho encontra-se a estátua do século XIV de San Giusto, que tem nas mãos a palma do martírio e o modelo da cidade amuralhada da qual é protetor.







Na Praça da Catedral, bem em frente ao castelo da cidade, vemos os restos da Basílica Forense Romana, provavelmente de 133 d.C., representada principalmente pelas colunatas que definiam a estrutura.
Os vestígios mostram a existência de uma basílica de três naves, com quase noventa metros de comprimento e aproximadamente vinte e quatro metros de largura .
São os restos da antiga cidade romana, que remonta ao século I d. C.. A base do campanário da catedral engloba o propileu, os pórticos de acesso á área. De frente se veem o Fórum e os restos da Basílica Civil, um edifício de três naves destinado à justiça e aos negócios.

Ainda no mesmo espaço, verifica-se o Monumento aos Mortos de Trieste, dedicado àqueles que morreram na Primeira Guerra Mundial .
O monumento retrata cinco homens envolvidos em batalha, três deles apoiando um camarada ferido, enquanto um quinto cobre os ombros com um grande escudo.
O monumento, inaugurado em 1935 na presença de vários líderes fascistas e do rei Vittorio Emanuele III, é construído em ferro fundido e sua base é em pedra branca da Ístria.


Ao lado do Fórum romano, encontra-se o Castello di Trieste ou Castello di San Giusto.
A construção do castelo iniciou no século XV a mando dos imperadores austríacos (sendo o primeiro Frederico III de Habsburgo), que viram neste palácio a possibilidade de criar a acomodação ideal para a figura do capitão imperial.
Apesar de não ser muito grande, sua construção demorou alguns séculos para ser terminada, de 1468 a 1636. A primeira estrutura foi a Casa del Capitano, concluída em 1471: uma habitação fortificada que era ladeada por uma torre, estrutura que posteriormente foi incorporada à fortaleza e seus bastiões.
Seu forma atual é uma fortaleza triangular com bastiões nos vértices. Há três baluartes ao longo das muralhas defensivas do castelo, cada um com um formato diferente devido à evolução das tecnologias defensivas: o Bastione Rotondo ou Veneto, voltado para o Norte, erguido no início do século XVI, de 1508 a 1509, no breve domínio da República de Veneza sobre Trieste; o segundo é o do Sul, o Bastione Lalio ou Hoyos, de formato poligonal, erigido em meados do mesmo século, provavelmente concluído em 1557; e, por último, o Bastione Fiorito ou Pomis, voltado para o Nordeste, de formato triangular, construído quase um século depois, completado que foi em 1636.
O castelo serviu como residência do capitão imperial austríaco até 1750, quando Niccolò Hamilton, então no cargo, decidiu transferir a sua residência para a cidade, instalada no novo palácio construído em 1749 no local do atual Tergesteo. Assim, o castelo tornou-se fortaleza e quartel e, por vezes, também prisão: as casamatas dos baluartes, originalmente espaços de colocação de peças de artilharia, foram transformadas e utilizadas como prisões políticas ao longo do período do Risorgimento.


Os cidadãos de Trieste, desde o século de XVIII, seguiam as horas pelo sino da Torre do Relógio do Porto, que era acionado pelos autômatos conhecidos como Michez e Jachez. Quando a torre foi demolida em 1838, eles foram relegados ao lixo.
Com a construção do novo edifício da prefeitura (Palazzo del Municipio), de 1873 a 1875, a torre do relógio desta foi projetada para lembrar a anterior, e os novos Michez e Jachez (em zinco fundido) colocados em funcionamento em janeiro de 1876. Eles fizeram seu trabalho fielmente até que, finalmente desgastados pela maresia e quase cem anos de trabalho ininterrupto, foram substituídos por réplicas de bronze em 1972.
Assim, depois de quase cem anos marcando as horas dos cidadãos de Trieste, Michez e Jachez foram aposentados, gozando hoje de um merecido descanso no átrio do Castello San Giusto.

A grande praça encerrada nas muralhas do Castelo é denominada Cortile delle Milizie (Pátio das Milícias) em referência ao uso militar do solar no século XVIII-XIX.
Resultado das diversas fases de construção do castelo, o seu aspecto atual se deve muito às restaurações da década de 1930 e início da década de 2000.
Foi construído quando do erguimento dos baluartes do século XVI-XVII: pavimentado em terra batida, albergava os alojamentos dos soldados, os acessos às casamatas e às canhoneiras, e um paiol de pólvora, que explodiu em 1690.
Esta "santabarbara" (paiol) é tradicionalmente identificada com a base circular descoberta na década de 1930: sobre ela erguia-se uma estrutura - uma torre do castelo do século XIV ou das muralhas cívicas ou uma cisterna - então usada como armazenamento de pólvora; seu formato ganha destaque no moderno pavimento da praça, feito de cubos de arenito dispostos em arcos concêntricos.
Do pátio ascende-se, por meio de uma escada colada à muralha, aos baluartes e aos passadiços de ronda ao ar livre que, oferecendo um panorama completo da cidade e dos seus arredores, demonstram a posição estratégica do Castelo de San Giusto e da colina onde se encontra.



Na primeira sala do Civico Museo, nos deparamos com uma maquete da cidade por volta de 1690, representada em escala 1:825.
Realizada pelo construtor naval Andrea Sonz, com conclusão em 1901, após mais de dez anos de atento estudo sobre planta existente e seu relevo de verdade.
Testemunha o aspecto que Trieste tinha desde a Idade Média até o início do século XVIII, antes das ampliações modernas decorrentes da concessão do Porto Franco.

As salas de armaria expõem armas de guerra e alabardas já existentes na fortaleza bem como outras doadas por colecionadores particulares e compradas no mercado de antiguidades.

Estão expostos dois bacamartes de posto ou de amurada (para uso em navios), pequenas peças de artilharia do final do século XVII com canos abertos, muitas vezes empregadas pela marinha, dotadas de um resistente pino de ferro para fixação a um suporte estável.





Continuamos nossa visita descendo a colina pela estreitas ruas medievais, mas isso continua no post seguinte, Trieste - Parte II.
Fontes:
Wikipedia;
Guide: Fabuleuse Italie du Nord: Rome, Florence, Venise, pesquisa e redação de Louise Gaboury, direção de Claude Morneau, versão eletrônica, 2019, Guides de Voyage Ulysse, Québec, Canada.
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