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Bogotá - Parte III - Colômbia - 2011

  • Foto do escritor: Roberto Caldas
    Roberto Caldas
  • 6 de jun. de 2023
  • 16 min de leitura

Atualizado: 12 de jun. de 2023

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Plazoleta de Cuervo ou de San Carlos, no centro a estátua de Rufino José Cuervo Urisarri, escultura em bronze, elaborada pelo escultor francês Charles Raoul Verlet, inaugurada em julho de 1914. Calle 10, n. 6-20, Bogotá, Distrito Capital, Colômbia.



Bogotá




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Croqui de Santafé de Bogotá, por volta de 1800; no mapa, pode-se observar o traçado urbano em tabuleiro de damas, próprio das colônias hispânicas; a cidade colonial encontrava-se em torno da Plaza Mayor (n. 1), onde estavam reunidos os poderes civil (sede da Real Audiencia) e religioso (n. 2 - Catedral), constituindo-se no centro das dinâmicas urbanas; o mapa também revela a importância do catolicismo, evidenciada pelo grande número de igrejas e conventos (sinalizados pela +) em relação ao tamanho da cidade. https://babel.banrepcultural.org/digital/collection/p17054coll13/id/713/


Continuando nosso passeio pelo centro histórico de Bogotá, nos deparamos, próximo ao Palacio de Nariño, com a Iglesia de San Agustín (n. 25 do croqui), que fazia parte do complexo conventual de mesmo nome.


O padre agostiniano frei Juan Próspero Tinto, em 11 de outubro de 1575, ocupando as edificações do antigo Monasterio de Carmen, fundou o Convento de San Felipe, que posteriormente passou a chamar-se Convento de San Agustín, em razão de a modesta igreja que ali foi erguida, aproximadamente em 1606, ter sido dedicada ao bispo de Hipona, doutor da igreja e escritor de importantes livros de teologia e filosofia, que marcaram indelevelmente a história do ocidente, dentre eles "Confissões" e "Cidade de Deus".


Por volta de 1637 ou 1642, iniciou-se a edificação, no mesmo local, do novo templo de três naves, que teria sido concluído aproximadamente em 1668, sob os parâmetros das construções coloniais. Porém, sua consagração ocorreu apenas em 24 de setembro de 1748 pelo então arcebispo de Santafé de Bogotá Pedro Felipe de Azúa.


Em 1861, por determinação do então presidente da República, general Tomás Cipriano de Mosquera, iniciou-se o processo de desamortização dos bens da Igreja Católica na Colômbia, ou seja, extinção de corporações e de estabelecimentos religiosos e laicos e nacionalização dos respectivos bens, incorporados na posse do Estado, muitos deles posteriormente vendidos ou leiloados para domínio privado, ocasião em que o Convento de San Agustín foi extinto, com a incorporação do prédio ao erário, depois transformado em quartel.


Os edifícios do Templo e do Convento de San Agustín, infelizmente, ficaram bastante danificados, entre 26 e 27 de fevereiro de 1862, após combate entre as forças leais ao então presidente general Mosquera, do partido liberal, e as tropas lideradas por seu oponente conservador, general Leonardo Canal, episódio que ficou conhecido como Batalla o Sitio de San Agustín; ao final, os altares estavam destroçados e saía fumaça do teto e das janelas da igreja.




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Iglesia, à esquerda, e Convento de San Agustín, à direita, após a batalha homônima ocorrida em 1862, entre as forças leais ao Mosquera e as tropas do general Canal. https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/5/50/1862IglesiaSagustinBogota.jpg.


Após alguns reparos, a igreja foi devolvida ao culto católico, sob administração da Ordem dos Agostinianos, por volta de 1867, mas o convento permaneceu sendo utilizado pelo governo até 1938, quando foi demolido para construção do prédio do Ministério da Fazenda.


A Iglesia de San Agustín voltou a sofrer danos durante o "bogotazo" de 1948, já citado nos nossos posts anteriores, tendo passado por duas grandes restaurações nas décadas de 1950 e de 1980.


O templo é composto de três naves e, atrás do altar-mor, há um espaço transitável; os altares barrocos e recobertos de folha de ouro se destacam pela beleza; sua fachada frontal possui, no centro, um portal em forma de arco de meio ponto ladeado de duas colunas toscanas apoiadas sobre pedestais.


A Iglesia de San Agustín tem importância na história colombiana, posto que nela o prócer da independência Antonio Nariño fez o juramento à bandeira da então República de Cundinamarca, em 1813, e uma das heroínas do movimento independentista da Colômbia encontra-se enterrada no seu interior, Policarpa Salavarrieta, conhecida como La Pola, enforcada a mando do governo realista (espanhol) em 14 de novembro de 1817.




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Iglesia de San Agustín; pode-se observar na fachada principal um portal em forma de arco de meio ponto, ladeado por duas colunas toscanas apoiadas em pedestais; acima da entrada, vê-se uma cornija, sobre a qual se encontra a janela do coro em formato de arco de meio ponto, coroado por um frontão curvo em seu ângulo superior, tendo no seu interior o escudo da Ordem Agostiniana; à esquerda, tem-se uma torre pintada de branco de dois corpos, enfeitada de pináculos e arrematada por uma cúpula apontada. Carrera 7 com calle 7, Bogotá, Distrito Capital, Colômbia.


Apesar do mesmo nome, o Claustro de San Agustín (próximo do n. 40 do croqui) não fazia parte do conjunto conventual; inclusive foi erguido no outro lado do rio San Agustín (n. 43 do croqui), hoje calle 7.


Sua construção se deu na primeira metade do século XVIII para atender à necessidade da Comunidade Agostiniana de ter um edifício para desenvolver seu trabalho educativo como parte de sua missão ao se estabelecer em Bogotá.


Em razão do pouco espaço existente no convento para ali funcionar também o Colegio de San Nicolás de Mira ou de Bari, o provincial dos Agostinianos, frei Gregorio Agustín Salgado, diretor da instituição, determinou a construção do claustro, destacado do conjunto conventual, que serviu durante 40 anos como sede do referido colégio. Ocorre que o visitador da Ordem, proveniente da Espanha por sugestão do rei, entendeu que os custos não se justificavam e, consequentemente, a escola foi fechada e o prédio passou das mãos do Agostinianos para o governo colonial, tendo este o cedido à guarnição militar de Santafé (n. 40 do croqui).


Seu emprego militar perdurou durante todo o século XIX, inclusive depois da independência, até que, após servir de quartel do Batalhão de Guarda Presidencial, no século XX, foi entregue em comodato à associação que criaria o Museo de Artes y Tradiciones Populares.


Desde 2006 o prédio do antigo Claustro de San Agustín pertence à Universidad Nacional de Colombia.


Seu interior é composto por dois níveis de colunas de pedra que sustentam arcos de tijolos e limitam as amplas galerias que circundam o grande pátio central; suas cobertas em telhas de barro se harmonizam com a paisagem do centro histórico de Bogotá.




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Pátio Interno do Claustro de San Agustín, tendo em seu entorno dois andares de galerias com arcos. Carrera 8 com calle 7, Bogotá, Distrito Capital, Colômbia.


No outro lado da calle 7, na frente do Claustro de San Agustín, nos deparamos com a Casa Museo Francisco José de Caldas, batizada em homenagem ao cientista autodidata, naturalista e geógrafo, nascido em Popayán e herói da independência da Colômbia.


A casa foi construída no final do século XVII, em estilo colonial, e foi ocupada de forma intermitente por Francisco José de Caldas a partir de 1810, após contrair matrimônio com a sua conterrânea María Manuela Barahona, particularmente por que ficava próxima ao Observatório Astronômico, onde Caldas realizava alguns de seus estudos científicos.


Francisco José de Caldas y Thenorio nasceu em Popayán, então município do Virreinato de Nueva Granada, em 1768, filho de um espanhol e uma criolla, tendo se interessado por ciência desde jovem, particularmente geografia, astronomia e botânica, bem como fabricado seus próprios instrumentos de observação astronômica; em 31 de dezembro de 1801, no Equador, teve a oportunidade de se encontrar com o cientista alemão Alexander von Humboldt e o botânico francês Aimé Bonpland, com quem conviveu por cerca de 2 meses; em 1802, foi incorporado à Expedição Botânica de Nueva Granada, tendo realizado pesquisas na costa do Pacífico; em 1806, passou a dirigir o Observatório Astronômico em Bogotá; a partir de 20 de julho de 1810, data que marcou o início do processo independentista colombiano, Caldas se aliou ao movimento patriota, inicialmente como propagandista da revolução e, posteriormente como engenheiro militar; durante essa fase, Caldas, claramente federalista, entrou em choque com as ideias centralistas do chefe da revolução, Antonio Nariño, gerando isso, dentro do próprio movimento, uma guerra civil; no início de 1816, as tropas realistas (espanholas), sob o comando do general Morillo, avançaram sobre Santafé, ocasião em que Caldas fugiu para o sul do país, mas foi capturado na sua terra natal, Popayán, e transferido para a capital; apesar de seu pedido de clemência à chefia do exército expedicionário espanhol, Caldas foi fuzilado na Plaza de San Francisco (n. 36 do croqui), em Santafé de Bogotá, em 30 de outubro de 1816.


O encontro de Caldas com Humboldt e Bonpland restou registrado por Andrés Olivos, como já citado no nosso post Berlim, Parte II, Alemanha:


"Outro fator que contribui para a consolidação da formação de Caldas é seu encontro e diálogo científico com Frederico Alexandre Barão de Humboldt e Aime Bonpland.


"Estes viajantes e exploradores europeus chegam a Santafé [Bogotá] em 15 de julho de 1801, dispondo-se logo a seguir a rota em direção ao sul por Popayán, Quito, Guayaquil e Lima". (pág. 55)


"(....)


"O encontro se produz em Ibarra (Equador), em 31 de dezembro de 1801, e dura até 8 de junho de 1802, data em que os viajantes continuam em direção a Guayaquil e Lima. Durante os meses de fevereiro e março de 1802, Caldas convive com Humboldt e Bonpland, primeiro na Quinta de Selva Alegre, em Chillo, e logo em Antisana e, finalmente, em Quito.


"O proveitoso desta convivência científica de Caldas com Humboldt e Bonpland e seus efeitos, se pode resumir em quatro aspectos:


"1) De Humboldt


'Proporcionou-me grandes conhecimentos em astronomia; ensinou-me o uso do octante; forneceu-me um catálogo de mais de quinhentas e sessenta estrelas; a fórmula para o cálculo da declinação, tabelas de refração para diferentes alturas sobre o nível do mar; os métodos de La Borda para o cálculo das distâncias da Lua, enfim, ajudou-me com milhares de pormenores práticos para o aperfeiçoamento de minhas observações'" (tradução livre do espanhol - págs. 57-58) "Caldas: precursor del patriotismo científico", de Andrés Olivos Lombana, direção editorial: Alberto Ramírez Santos, Panamericana Editorial, Santafé de Bogotá, 1998.


André Lombana também fala da morte do patriota:


"Em 26 de outubro de 1816 se dita a sentença de morte: 'O Conselho de Guerra com assistência do Auditor D. Faustino Martínez condenou e condena a Francisco Caldas como réu de haver cooperado, e sustentado com toda atividade a rebelião destes países contra o rei, formando planos militares, e escrevendo papéis subversivos e injuriosos ao governo e à nação espanhola à pena de ser passado pelas armas, com confiscação de seus bens...'. Quatro dias depois se cumpre a sentença. 'Execução Don Melchor de Castaño, Capitão dos Reais Exércitos, Fiscal desta causa. Certifico que foi executada a sentença contra Francisco Caldas, hoje dia do fecho, às onze da manhã, na Praça de São Francisco, precedida da notificação, tempo de vinte e quatro horas de capela, e havendo recolhido seu cadáver à paz e caridade com todas as formalidades de ordenança. Quartel General de Santafé, trinta de outubro de mil oitocentos e dezesseis. Melchor del Castaño'." (tradução livre do espanhol - págs. 134-136) "Caldas: precursor del patriotismo científico", de Andrés Olivos Lombana, direção editorial: Alberto Ramírez Santos, Panamericana Editorial, Santafé de Bogotá, 1998.


"Depois, em Santafé de Bogotá, o Pacificador havia sacrificado com sanha toda a geração de intelectuais e de sábios que apoiaram a insurreição, entre os quais se destacava Francisco José de Caldas, amigo e colaborador de Humboldt em sua viagem pela América do Sul. Ante alguém que tentava dissuadi-lo do crime, Morillo manchou para sempre sua memória e a de sua pátria, autorizando a execução com este brutal argumento: 'Espanha não necessita de sábios'. (...)." (págs. 188/189, tradução livre do espanhol) - "En Busca de Bolívar", de William Ospina; Grupo Editorial Norma, Bogotá, 2010.


A Casa Museo Francisco Caldas, sob responsabilidade do Exército Colombiano, tem dois pisos, um pátio de pedra e várias salas, nas quais são exibidos objetos pessoais, cartas, livros, objetos cartográficos e escritos de Caldas, além de outros ligados à Expedição Botânica de Nueva Granada, como planos e mapeamentos de diferentes localizações geográficas na Colômbia e instrumentos de engenharia compostos de vidros, detectores de metais hipsômetros, etc.




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Casa Museo Francisco José de Caldas, casona de dois andares, onde residiu o prócer da independência Francisco Caldas a partir de 1810. Carrera 8 n. 6C-73, Bogotá, Distrito Capital, Colômbia.


Ainda na carrera 8, próximo ao Observatório Astronômico e ao lado do Palacio Nariño, encontramos a Casa La Giralda (lado direito do n. 27 do croqui), uma belo prédio estilo colonial, provavelmente edificado na década de 1850, que serviu de sede do então Ministério da Guerra da Colômbia até 1948; depois, no local funcionou o Colégio Maria Imaculada e outras instituições de ensino; em 1977, a casa foi adquirida pelo Fondo Cultural Cafetero (Fundo Cultural do Café), que inaugurou um museu conhecido como "La Giralda" ou Museo del Siglo XIX.


Em 20 de março de 2012, após uma restauração total, a casa passou a ser ocupada pelo Ministério do Interior, após um evento com a participação do então presidente da República Juan Manuel Santos Calderón.

Por ocasião de nossa visita, em 2011, tivemos a oportunidade de acompanhar a uma gravação de cenas de um filme ou novela de época.




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Casa La Giralda, então Museo del Siglo XIX, hoje sede principal do Ministerio del Interior; na ocasião, estavam fazendo gravações de uma novela ou filme de época na frente do prédio. Carrera 8 n. 7 – 83, Bogotá, Distrito Capital, Colômbia.




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Casa La Giralda, então Museo del Siglo XIX, hoje sede principal do Ministerio del Interior; na ocasião, estavam fazendo gravações de uma novela ou filme na frente do prédio com atores vestindo indumentárias de época, provavelmente do início do século XIX. Carrera 8 n. 7 – 83, Bogotá, Distrito Capital, Colômbia.


A leste da Plazoleta de Cuevo ou de San Carlos e diagonal da Iglesia de San Ignacio (antiga Iglesia de San Carlos - n. 4 do croqui), no n. 6-18 da calle 10, encontra-se a casa que morou Manuela Sáenz, a grande amante de Bolívar, conhecida como "La Libertadora del Libertador" (A Libertadora do Libertador) ou "Adorable Loca" (Adorável Louca); nesta casa, Bolívar e Manuela viveram horas intensas de ardente paixão.


Bolívar e Manuela se conheceram em Quito, em 1822, após aquele ter sido atingido no peito por uma coroa de flores jogada por ela durante um desfile triunfal na cidade e uma dança entre eles no baile naquela noite, e a partir daí nunca deixaram de ser amantes, o que está retratado nos trechos dos livros abaixo transcritos:


"(...) até os versos franceses e latinos que iam e vinham na festa interminável de Quito, em 1822, quando, depois do cortejo triunfal sob chuvas de flores, Bolívar dançou toda noite com a mulher que na tarde lhe havia arremessado uma coroa a partir de um balcão e lhe havia dado com ela em pleno peito. Sabemos que naquela noite disse a Manuela, sua nova e fascinante companheira de dança: 'Se meus soldados tivessem sua pontaria, já teríamos derrotado os espanhóis'.


"Mas a partir daquele encontro, nos últimos oito anos de sua vida, e pela primeira vez desde a morte de sua esposa na borrada adolescência, Bolívar teve dona, e uma dona que defendia com unhas seus direitos. José Palacios, o fiel servidor a quem é tão difícil encontrar na história por sua discrição e invisível eficácia, achou um dia o general sangrando, com uma orelha cortada e arranhões no rosto e nos braços. O primeiro pensamento foi que se tratava de um novo atentado, mas Bolívar contou a verdade: Manuela havia encontrado na sua própria cama um pingente que não era dela. 'A batalhas de amor, campo de plumas'." (págs. 116-117).


"(...).


"Há tantas coisas que queremos ver: como era a coroa que Manuela Sáenz lhe arremessou desde o balcão em Quito, essa coroa que não caiu aos pés de seu cavalo, como ela queria, senão no próprio peito do general banhado de flores, que levantou a cabeça e a viu, ainda com os braços estendidos, no balcão; ou como foi esse primeiro diálogo dos dois, aquela noite, ao ritmo das valsas de então, quando ele lhe disse que se seus exércitos tivessem a pontaria dela, já os espanhóis estariam derrotados; ou como era a rua, muito mais profunda que agora, sob a janela por onde ele teve que saltar para escapar da fúria dos conjurados." (pág. 236, tradução livre do espanhol) - "En Busca de Bolívar", de William Ospina; Grupo Editorial Norma, Bogotá, 2010.


"Manuela continuava vivendo [1830] a pouco passos do palácio de San Carlos, que era a residência dos presidentes, com o ouvido atento às vozes da rua (...) pois era Manuela a única pessoa a quem permitia a verdade (...).


"Tinham-se conhecido em Quito oito anos antes, num baile de gala comemorativo da libertação, quando ela era ainda casada com James Thorne, um cavalheiro inglês implantado na aristocracia de Lima nos últimos tempos do vice-reinado. Além de ser a última mulher com quem manteve um amor continuado desde a morte de sua esposa, vinte e sete anos antes, era também a confidente, a guardiã de seus arquivos e sua leitora mais emotiva. Estava adida a seu estado-maior com a patente de coronela. Longe iam os tempos em que estivera a ponto de lhe mutilar uma orelha a dentadas, numa briga de ciúmes, mas seus diálogos mais triviais ainda costumavam culminar nas explosões de ódio e nas ternas capitulações dos grandes amores (...)". (pág. 31) "O General em seu Labirinto", de Gabriel García Márquez, tradução Moacir Werneck de Castro; Editora Record, Rio de Janeiro, 1989.


Em 25 de setembro de 1828, em Bogotá, deu-se um atentado contra a vida de Bolívar, então presidente, conhecido como "Conspiración Septembrina", do qual saiu ileso graças à ajuda de sua amante, Manuela Sáenz, que havia recebido, em 1821, o título de Caballeresa de la Ordem del Sol (Cavaleira da Ordem do Sol) do general José de San Martín. Bolívar fugiu do Palacio San Carlos, saltando de uma sacada, e escondeu-se sob a então Puente del Carmen (n. 22 do croqui, atual calle 7 com carrera 5), passando a noite lá, até o movimento ser dominado pelas tropas leais.


Bolívar ainda pensou em perdoar aos que foram considerados conspiradores, membros da facção "santanderista", mas, no final, decidiu submetê-los à corte marcial, a qual determinou o fuzilamento dos acusados, alguns sem que ficasse plenamente estabelecida sua responsabilidade no episódio. O general Francisco de Paula Santander, seu antigo aliado, sabia da possibilidade de atentados contra Bolívar, mas não se conseguiu provar sua participação direta na conspiração.


O episódio foi bem descrito por Gabriel García Márquez no seu livro "O General em seu Labirinto":


"(...)


"Numa das muitas vezes em que o general cogitou de renunciar, tinha dito a Santander que deixava tranquilo a presidência, porque 'a deixo ao senhor, que é outro eu, talvez melhor que eu'. Quer pela razão ou pela força dos fatos, jamais depositara tanta confiança em ninguém. (...) Não obstante, esse que tudo havia merecido dele estava há dois anos desterrado em Paris por cumplicidade nunca provada numa conspiração para matá-lo.


"Acontecera assim. Na quarta-feira, 25 de setembro de 1828, à meia-noite, doze civis e vinte e seis militares forçaram o portão do palácio, em Santa Fé, degolaram dois dos cães do presidente, feriram várias sentinelas, fizeram um grave ferimento de sabre num braço do capitão Andrés Ibarra, mataram com um tiro o coronel escocês William Fergusson, membro da Legião Britânica e ajudante-de-campo do presidente, do qual este havia dito que era valente como um César, e subiram até o quarto de dormir presidencial dando vivas à liberdade e morras ao tirano.


"(...).


"Estavam dando começo na cama aos folguedos do amor, ele nu e ela meio despida, quando ouviram os primeiros gritos, os primeiros tiros e o estrondo dos canhões contra algum quartel leal. Manuela o ajudou a vestir-se a toda pressa, pôs-lhe as galochas que trouxera calçadas, pois o general mandara engraxar seu único par de botas, e o ajudou a escapar para sacada com um sabre e uma pistola, mas sem nenhuma proteção contra a chuva eterna. Mal chegara à rua, apontou a pistola engatilhada para uma sombra que se aproximava: 'Quem vem lá!' Era o seu copeiro que voltava para casa, abatido com a notícia de que tinham matado o amo. Resolvido a acompanhá-lo no que desse e viesse, escondeu-se com ele entre as sarças da ponte do Carmen, no arroio de San Agustín, até as tropas leais sufocarem a sedição.


"Com uma astúcia e uma valentia já demonstradas em outras emergências históricas, Manuela Sáenz recebeu os atacantes que forçavam a porta do quarto. Perguntaram-lhe pelo presidente, e ela disse que estava no salão do conselho. Perguntaram-lhe por que estava aberta a porta da sacada numa noite fria, e ela disse que a abrira para ver o que eram os ruídos que vinham da rua. Perguntaram-lhe por que a cama estava morna, e ela disse que se deitara sem se despir à espera do presidente. Enquanto ganhava tempo com a parcimônia das respostas, fumava a grandes baforadas um charuto de carroceiro dos mais ordinários, para encobrir o rastro fresco de água-de-colônia que ainda permanecia no quarto." (págs. 57-60) - "O General em seu Labirinto", de Gabriel García Márquez, tradução Moacir Werneck de Castro; Editora Record, Rio de Janeiro, 1989.




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Plazoleta de Cuervo ou de San Carlos, em frente à Iglesia de San Ignacio, antiga de San Carlos (n. 4 do croqui), tendo no centro a estátua de Rufino José Cuervo Urisarri, escultura em bronze, elaborada pelo escultor francês Charles Raoul Verlet, inaugurada em julho de 1914. Calle 10, n. 6-20, Bogotá, Distrito Capital, Colômbia.




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Casa de Manuela Sáenz, amante de Bolívar, calle 10, n. 6-18, Bogotá, Distrito Capital, Colômbia.




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Interior da Casa de Manuelita Sáenz, então Museu de Trajes Regionais da Colômbia. Calle 10, n. 6-18, Bogotá, Distrito Capital, Colômbia.


Ainda na calle 10, no quarteirão seguinte ao da Casa de Manuela, nos deparamos com o Palacio de San Carlos, que foi a sede da Presidência da República de Colombia (Gran Colombia), posteriormente, da República de la Nueva Granada, bem como residência do chefe do executivo.


No final do século XVI, o vigário-geral da Catedral, Francisco Porras Mejía, determinou a construção do referido palácio, que, na época, serviu de moradia para as famílias da aristocracia até 18 de outubro de 1605, ocasião em que os herdeiros do vigário-geral venderam o imóvel ao arcebispo de Santafé, frei Bartolomé Lobo Guerrero, sendo ocupado, a partir daí, pelo Colégio Seminario de San Bartolomé, encomendado à direção dos jesuítas.


Em 1767, em consequência da ordem de Carlos III, rei da Espanha da dinastia Bourbon (um déspota esclarecido, ou seja, influenciado pelo Iluminismo), de expulsar os jesuítas das possessões espanholas na América, o seminário saiu do edifício, passando este a se chamar San Carlos, possivelmente em honra ao grande santo de Milão, Carlos Borromeu, ou alusão ao monarca espanhol.


Em 1777, o edifício tornou-se sede da Biblioteca Pública de Santafé e, posteriormente, quartel do Batallón Guardia Presidencial.


Após o terremoto de 1827, o então palácio presidencial, que se encontrava na época no local onde foi edificado o Capitolio Nacional, na Plaza de Bolívar, ficou bastante afetado, e o então presidente da República Simón Bolívar viu no Palacio de San Carlos o prédio mais adequado para trasladar a sede do governo da Gran Colombia e determinou a sua aquisição, que foi feita em 22 de fevereiro de 1828.


Depois da mudança da sede do governo para o Palacio de la Carrera (Palacio Nariño), já citado no nosso post Bogotá, Parte II, o Palacio de San Carlos se converteu, a partir de 10 de julho de 1908, na sede da Chancelaria (Ministerio de Relaciones Exteriores).


Em 1954, o palácio voltou a ser residência presidencial, mas, em 4 de dezembro de 1981, o prédio foi devolvido ao Ministerio de Relaciones Exteriores, sede da diplomacia colombiana.




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Palacio de San Carlos, edifício iniciado no final do século XVI, atual sede do Ministerio de Relaciones Exteriores. Calle 10, n. 5 - 51, Bogotá, Distrito Capital, Colômbia.


Ainda na calle 10 (Calle de La Esperanza), no outro quarteirão depois do Palacio de San Carlos, nos deparamos com o Museo Militar; a estrutura-base atual foi concluída em 1756 por ordem do vice-rei José Solís, e parte foi cedida à família Ricaurte.


A propriedade passou às mãos de Antonio Ricaurte, valoroso capitão alistado no Exército Patriota em 1813 a pedido do então brigadeiro Simón Bolívar; desta casa, Ricaurte partiu para a Venezuela, tendo ficado, na companhia de 50 soldados, guarnecendo um depósito de armas e munições existente na Fazenda San Mateo, naquele país, pertencente a Bolívar; ao ver o risco do referido depósito cair nas mãos das tropas realistas, Ricaurte pôs fogo na pólvora e o fez voar pelos ares em 25 de março de 1814, morrendo na ação ele e os outros que se encontravam no local.


No final do século XIX, a antiga propriedade da família Ricaurte se transformou numa fábrica de sabões e velas, pertencente a Ángel María Tamayo; entre 1911 e 1913, a casona foi reconstruída seguindo as tendências francesas da época, especialmente o neoclassicismo e ecletismo, com amplos salões com o fim de ser utilizada como fábrica de ceras, para logo em seguida sediar a Escuela de Ingeniería y Matemáticas até 1932 quando então tornou-se Escuela Nacional de Bellas Artes e, a partir de 1950, quartel da Polícia Militar.


Em 6 de agosto de 1982, após trabalhos de restauração, foi inaugurado no local, com as presenças dos então presidente da República Julio César Turbay Ayala e ministro da Defesa general Luis Carlos Camacho, o Museo de Armas, tendo tomado, posteriormente, o nome de Museo Militar de Colombia.


Organizado em 9 salões de exposição, nele estão reunidas as peças mais representativas das três forças armadas da Colômbia: Ejército, Armada e Fuerza Aérea, inclusive objetos empregados no Batallón Colombia, que lutou na Guerra da Coréia, com o fim de libertar a atual Coréia do Sul.




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Museo Militar de Colombia. Calle 10, n. 4 - 92, Bogotá, Distrito Capital, Colômbia.




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Pátio interno do Museo Militar, onde podem ser vistos três bustos de personagens relevantes da independência da Colômbia: o general Bolívar, o almirante Padilla e o capitão Ricaurte. Calle 10, n. 4 - 92, Bogotá, Distrito Capital, Colômbia.




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Casas antigas no centro de Bogotá, Calle de La Esperanza com Calle del Carmen (calle 10 com carrera 5), Bogotá, Distrito Capital, Colômbia.


No próximo post, continuaremos em Bogotá, iniciando pela Iglesia de la Concepción.


Fontes:


Wikipedia











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