Lago di Garda - Gardone Riviera e Il Vittoriale degli Italiani - Região da Lombardia - Norte da Itália - 2023
- Roberto Caldas

- 3 de set.
- 16 min de leitura

Parlaggio (Anfiteatro); vista do Lago di Garda. Vittoriale degli Italiani, Via al Vittoriale, Gardone Riviera, Província de Bréscia, Região de Lombardia, Itália.
Continuamos nosso passeio pelas margens do Lago di Garda, desta vez pela Região da Lombardia, visitando Gardone Riviera e sua atração principal: Il Vittoriale degli Italiani.
Gardone Riviera
Há vestígios, na região, de uma comunidade, por volta do século I d.C. sob o controle do Império Romano; depois, no início da Idade Média, a região foi ocupada pelos lombardos; em seguida, passou ao domínio do bispo de Bréscia; em 1334, Gardone, formando com mais 33 outras comunidades da Riviera de Bréscia uma comunidade maior conhecida como Riviera di Salò ou Magnifica Patria, decidiu ficar sob a proteção de Veneza, porém, em 1350, essa comunidade caiu nas mãos dos Visconti, senhores de Milão, retornando ao controle de Veneza em 1428; a partir daí, permaneceram na órbita da Sereníssima até 1796, quando os franceses, comandados por Napoleão, invadiram a península itálica e derrotaram a República de Veneza; em 1797, foi criada a República Cisalpina, sob o controle dos franceses, à qual foi incorporada Gardone; após a derrota da França Napoleônica, é criado, em 1815, o Reino Lombardo-Vêneto, ao qual Gardone passou a pertencer, subordinado ao Império Austríaco e, posteriormente, ao Império Austro-Húngaro; em 1859, ao final da Segunda Guerra de Independência Italiana, Gardone, componente da Lombardia, foi anexada ao Reino da Sardenha-Piemonte, que, em 1861, tornou-se Reino da Itália.
Uma bela visão na cidade é a Chiesa di San Nicolò da Bari.
No lugar, havia um antiga igreja localizada na rocha dedicada a San Nicolò, bispo de Mira (Turquia) cujas relíquias estão preservadas em Bari, na região da Puglia, Itália; na porta de entrada do que resta da antiga igreja encontra-se uma inscrição com a data de 1391; no século XVII, foi erguida a torre sineira.
No século XVIII, o reitor e pároco de Gardone, dom Paolo Simoni, com a concordância dos fiéis, decidiu demolir o corpo central da antiga igreja e construir um novo, maior e mais espaçoso, virado a sul; o projeto foi confiado ao frade camaldulense (beneditino) e arquiteto Paolo Soratini; em 1730, o frade criou o novo desenho da igreja paroquial; em 1740, foram realizadas as obras finais; os mestres-de-obras do edifício foram os irmãos Bartolomeo e Antonio Bottura; as obras de conclusão do aparato decorativo, entre 1740 e 1754, foram executadas por Francesco Monti, de Bolonha.

Chiesa di San Nicolò da Bari, concluída em 1740. Via Caduti, 26, Gardone Riviera, Província de Bréscia, Região de Lombardia, Itália.
Uma das grandes atrações do local é a casa de Gabriele D'Annunzio, conhecida como Vittoriale degli Italiani, que hoje é uma fundação aberta ao público com cerca de 180.000 visitantes anuais.
Gabriele D'Annunzio deve ser uma da figuras mais excêntricas da Itália do final do século XIX e início do século XX; nascido em Pescara, na região de Abruzos, na década de 1890 já era considerado um dos escritores mais brilhantes e polêmicos da Itália; político, poeta, dramaturgo e romancista, foi um dos expoentes do movimento artístico conhecido como decadentismo e do esteticismo (devoção à beleza ou ênfase nela ou no cultivo das artes: "fazer da própria vida uma obra de arte” ), chegando a criar um estilo único e inimitável que passou a chamar-se dannunzianesimo.
Após o início da Primeira Guerra Mundial, D'Annunzio defendeu a entrada da Itália na guerra ao lado da Tríplice Entente (França, Reino Unido e Rússia) contra os chamados Impérios Centrais (Alemanha e Áustria-Hungria), visando à anexação italiana de amplos territórios dominados pelo Império Austro-Húngaro, que, na visão de muitos italianos, dentre eles o poeta, eram historicamente ligados à Península Itálica, como Trieste, Gorizia, Ístria, Dalmácia Setentrional, Tirol do Sul, Trento e Belluno.
Depois do ingresso da Itália na guerra como aliada da Tríplice Entente, D'Annunzio participou ativamente dela como militar voluntário, tendo atuado como observador aéreo, principalmente em missões de lançamento de panfletos sobre áreas dominadas pelo inimigo, com o intuito de minar a confiança das tropas adversárias e da população local numa eventual vitória, bem como em outras de bombardeio.
O episódio mais famoso que envolveu o poeta na aviação militar foi o ocorrido em 9 de agosto de 1918: voando numa aeronave SVA modificada, pilotada pelo capitão Natale Palli, D'Annunzio chegou à Viena, capital do Império Austro-Húngaro, dentro de uma formação de sete aviões, completando um voo de mais de 1.000 km, quase todos sobrevoando território controlado pelo inimigo, e realizou o lançamento de milhares de panfletos nos céus do centro de poder dos Habsburgos, com escritos exaltando a paz e o fim das hostilidades.
Outro fato militar, e também midiático, que elevou o poeta a herói nacional foi o conhecido como "La Beffa di Buccari": em fevereiro de 1918, embarcado no MAS 96 da Marinha Real Italiana, acompanhado de mais barcos da mesma classe, na companhia do futuro almirante Costanzo Ciano, participou do ataque naval, no porto de Buccari (Bakar, em croata), ação dedicada à memória de seus companheiros de voo Pagliano e Gori, falecidos no dia 30 de dezembro de 1917.
Depois do fim da guerra, alguns territórios que eram vistos por alguns nacionais como pertencentes à "Itália histórica", como Fiume (hoje, Rijeka, na atual Croácia), Pola e Zara, não tiveram, por meio do Tratado de Saint-Germain-en-Laye, firmado em 10 de setembro de 1919, uma definição certa, gerando discussões entre o Reino da Itália e do recém-criado Reino dos Sérvios, Crotas e Eslovênios (depois batizado de Reino da Iugoslávia).
A solução encontrada pelo conjunto de países que negociavam os tratados de paz foi propor a criação de um estado independente em Fiume, chamado de Estado Livre de Fiume, ideia endossada pelo então presidente dos Estados Unidos, Woodrow Wilson, que era o árbitro da querela entre os dois reinos.
Essa situação ficou conhecida, na Itália, como "vitória mutilada", ou seja, o país fora um dos vencedores da guerra, mas não "levara" tudo que tinha "direito"; D'Annunzio, capitaneando "legionários fiumanos", muitos deles ex-arditi (tropas de assalto de elite do exército italiano, que agiram com bravura nos combates da I Guerra), e aproveitando-se da situação confusa e da insatisfação de parte do povo italiano, em setembro de 1919, após uma marcha conhecida como Impresa di Fiume, ocupou a cidade e proclamou a Regência Italiana de Carnaro, com a ideia de anexar a região ao Reino da Itália.
Em razão da oposição do próprio Reino da Itália, D'Annunzio estabeleceu uma constituição para Regência Italiana, organizando-a como um estado corporativo, sendo ele o chefe do poder executivo, como ditador, utilizando o título de Comandante.
D'Annunzio esperava o apoio de Benito Mussolini, que há pouco fundara o movimento fascista e que, anteriormente, havia sido expulso do Partido Socialista Italiano em razão de seu apoio à entrada da Itália na Primeira Guerra Mundial (posição que contrariava as ordens dos bolcheviques (comunistas russos), dos quais o PSI era, de fato, um satélite), porém o futuro ditador italiano ficou "em cima do muro", enfraquecendo, assim, a iniciativa do poeta.
Com a aprovação do Tratado de Rapallo, em 12 de novembro de 1920, Fiume se tornou um estado independente, o Estado Livre de Fiume.
D'Annunzio ignorou o Tratado de Rapallo e declarou guerra à Itália; em 24 de dezembro de 1920, um bombardeio realizado pela Real Marinha italiana forçou os legionários de Fiume a evacuar e a entregar a cidade.
O Estado Livre de Fiume durou oficialmente até 1924, quando Fiume foi formalmente anexada ao Reino da Itália sob os termos do Tratado de Roma; Fiume tornou-se finalmente a cidade croata de Rijeka, em fevereiro de 1947, situação formalizada pelo Tratado de Paz de Paris concluído entre a Itália e os Aliados, no final da Segunda Grande Guerra.
Desiludido com o fim da experiência de Fiume, em fevereiro de 1921, D'Annunzio retirou-se para uma existência solitária na Villa de Cargnacco, situada na comuna de Gardone Riviera, que adquiriu alguns meses depois. A vila, renomeada de Vittoriale degli Italiani, foi ampliada e posteriormente aberta ao público. Aqui, o poeta trabalhou e viveu até a morte, ocorrida em 1º de março de 1938, curando com gosto teatral um mausoléu de memórias e símbolos mitológicos dos quais a sua própria pessoa foi e é a atração central.
Vittoriale degli Italiani é um complexo que engloba residência, museus, mausoléu, anfiteatro e parque; foi construído, por meio da reestruturação da antiga vila, com orientação do próprio Gabriele D'Annunzio e o apoio do arquiteto Gian Carlo Maroni, que também está sepultado no mausoléu do complexo, na companhia do poeta e de seus companheiros de aventura em Fiume.
Ingressa-se no complexo por um corredor ladeado por muros laterais e arcos centrais.

Arco dell'Ospite (Arco do Hóspede), atrás a Piazzetta del Pilo del Piave; o pilo (mastro) erguido à imitação do dos navios de guerra, sustenta a Vittoria del Piave, obra de Arrigo Minerbi e presente da cidade de Milão a Gabriele d'Annunzio em maio de 1935. Vittoriale degli Italiani, Via al Vittoriale, Gardone Riviera, Província de Bréscia, Região de Lombardia, Itália.

Busto do poeta Gabriele D'Annunzio, do escultor Gabriele Vicari, 2020/2021, no Vittoriale degli Italiani, Via al Vittoriale, Gardone Riviera, Província de Bréscia, Região de Lombardia, Itália.
Piazza dell'Esedra, projetada por Maroni em semicírculo e cercada por arcos duplos encimados por seis mastros de bandeira. O brasão do poeta, Príncipe de Montenevoso, destaca-se no centro, juntamente com o lema "Immotus nec iners" (Imóvel, mas não inerte). A praça semicircular também abriga o Tempietto delle Memorie, um pequeno santuário que abrigou os restos mortais do Comandante até 1963, quando foram transferidos para o Mausoléu.

Piazza dell’Esedra, vendo-se o semicírculo com arcos e mastros de bandeira e uma peça de artilharia, provavelmente um canhão 75/27 Mod. 1911, empregado pelo Real Exército Italiano durante a Primeira Guerra Mundial. Vittoriale degli Italiani, Via al Vittoriale, Gardone Riviera, Província de Bréscia, Região de Lombardia, Itália.

Pórtico que dá acesso ao pátio interno, conhecido como Piazzetta Dalmata; o brasão do poeta, Príncipe de Montenevoso, destaca-se no centro, juntamente com o lema "Immotus nec iners" (Imóvel, mas não inerte). Piazza dell'Esedra, Vittoriale degli Italiani, Via al Vittoriale, Gardone Riviera, Província de Bréscia, Região de Lombardia, Itália.
Piazzetta Dalmata (Pequena Praça Dálmata), leva o nome da estátua da Virgem com o cetro da Dalmácia, colocada no topo do alto mastro.

Piazzetta Dalmata; a Pequena Praça Dálmata leva o nome da estátua da Virgem com o cetro da Dalmácia, localizada no topo do alto pilar; este último é composto por um cilindro em pedra da Ístria, decorado com oito cabeças de homens barbudos, representando “os oito ventos da rosa italiana”, conforme consta da inscrição que percorre os degraus da base. Vittoriale degli Italiani, Via al Vittoriale, Gardone Riviera, Província de Bréscia, Região de Lombardia, Itália.

Cartaz da Fondazione Il Vittoriale degli Italiani, com a fotografia de Gabriele D'Annunzio fardado, tendo abaixo sua assinatura. Piazzetta Dalmata, Vittoriale degli Italiani, Via al Vittoriale, Gardone Riviera, Província de Bréscia, Região de Lombardia, Itália.
Na Piazzetta Dalmata, encontramos La Prioria, conhecida como Casa di “Frate Gabriel Priore" (Frei Gabriel Prior), a casa onde o poeta viveu seus últimos anos.
Uma casa-museu que simboliza a sua "vida inimitável"; nas salas de La Prioria conservam-se cerca de 10 mil objetos e 33 mil livros, que se conjugam com frases e lemas enigmáticos, legíveis em arquitraves e lareiras, num jogo contínuo de referências simbólicas.
A casa somente pode ser visitada em grupos com guia, bem como é proibido fotografar seu interior.

Fachada principal de La Prioria; decorada com os brasões de cidades (incluindo Trento, Florença e Trieste); brasão acima da varanda, representando um galgo, foi desenhado pelo próprio D'Annunzio. Piazzetta Dalmata, Vittoriale degli Italiani, Via al Vittoriale, Gardone Riviera, Província de Bréscia, Região de Lombardia, Itália.
Na sequência, ingressamos em prédio contíguo a La Prioria, onde está instalado o Museo D’Annunzio Eroe.
Um dos projetos de Gabriele d'Annunzio era criar, dentro do complexo, um museu onde suas recordações militares fossem preservadas; a morte repentina do poeta-soldado não permitiu a concretização do que pretendia; somente em 2000 o seu desejo foi realizado com a criação do Museu da Guerra, que em 2022, recebeu o nome atual de Museo d'Annunzio Eroe.
Sobre a cama estão colocadas a máscara funerária de D'Annunzio e as fitas das coroas enviadas pelo rei da Itália e pelo duque de Aosta para o funeral; a sala é chamada de Sala dei Calchi (Salão dos Moldes) porque dentro dela há moldes de gesso de obras de Michelangelo, entre as quais se destaca Aurora, localizada acima do leito funerário.

Sala dei Calchi (Salão dos Moldes); a última sala visitada com um guia é onde o corpo do escritor foi exibido após sua morte em 1938; sobre a cama, a máscara mortuária de D'Annunzio; acima da cabeceira, vê-se molde inspirado na "Aurora" de Michelangelo, cuja escultura original encontra-se no túmulo de Lorenzo de Médici, na Capela dos Médici, em Florença. Museo D’Annunzio Eroe, Vittoriale degli Italiani, Via al Vittoriale, Gardone Riviera, Província de Bréscia, Região de Lombardia, Itália.
No museu, pode-se ver o aeromodelo representando um dos aviões de combate pilotado pelo milanês Guido Keller durante a Primeira Guerra Mundial; Guido foi camarada de armas do poeta na Impresa di Fiume; quando da implantação da Regência Italiana de Carnaro, Keller foi nomeado pelo poeta "secretário de ação" e chefe da U.C.M (ufficio colpi di mano).

Modelo SPAD S.VII reproduzindo o aeroplano de combate fabricado pela empresa francesa Société Pour L'Aviation et ses Dérivés, utilizado por Guido Keller em 1917, durante a Primeira Guerra Mundial, como integrante da 91ª Squadriglia Caccia (91ª Esquadrilha de Caça), construído pelo cenógrafo Angiolino Belle para o documentário: "Ali Ribelli Guido Keller. La sua storia a Sant'Anna d'Alfaedo 1916" (Asas rebeldes Guido Keller. Sua história em Sant'Anna d'Alfaedo 1916), do diretor Mauro Vittorio Quattrina; no corpo da aeronave, encontra-se representada a insígnia do piloto: um ás de copas (asso di cuori). Museo D’Annunzio Eroe, Vittoriale degli Italiani, Via al Vittoriale, Gardone Riviera, Província de Bréscia, Região de Lombardia, Itália.
Há uma seção do Museo D'Annunzio Eroe, na qual se encontram peças ligadas às aventuras do poeta-soldado e seus companheiros na Primeira Guerra Mundial e na Impresa di Fiume, com a criação da Regência Italiana de Carnaro, na companhia de muitos Arditi dispensados das Forças Armadas Italianas.
Stato Libero di Fiume (Estado Livre de Fiume) ou Reggenza Italiana del Carnaro (Regência Italiana de Carnaro) (Golfo de Kvarner), localizava-se na região histórica da Dalmácia ou Ilíria (hoje, Rijeka, na Croácia), que muitos italianos, dentre eles D'Annunzio, entendiam que pertencia à Península Italiana e, portanto, tinha que ser anexada ao Reino da Itália.
Os Arditi (ousados, audaciosos) eram combatentes integrantes de tropas de assalto de elite do Real Exército Italiano durante a Primeira Guerra Mundial; eles também emergiram no cenário político italiano do pós-guerra graças às associações recém-formadas; embora muitos deles tivessem ligações com o fascismo, o envolvimento ativo dos Arditi na política variou.
Alguns Arditi apoiaram ativamente o poeta e veterano Gabriele D'Annunzio (1863-1938) em sua Impresa di Fiume e na Regência Republicana Italiana de Carnaro que se seguiu. Mussolini, em contraste, não abraçou a regência com entusiasmo.

Uniforme de tenente-coronel dos Fiamme Nere (Chamas Negras - Arditi) que pertenceu a Gabriele d'Annunzio; na lapela esquerda do uniforme a medalha "Cruz da Dalmácia", desenhada pelo próprio D'Annunzio. Museo D’Annunzio Eroe, Vittoriale degli Italiani, Via al Vittoriale, Gardone Riviera, Província de Bréscia, Região de Lombardia, Itália.

Retrato de Gabriele d'Annunzio em uniforme de Ardito; obra de Enrico Marchiani de 1921. Museo D’Annunzio Eroe, Vittoriale degli Italiani, Via al Vittoriale, Gardone Riviera, Província de Bréscia, Região de Lombardia, Itália.

Uniforme de tenente-coronel dos Fiamme Azzurre (Chamas Azuis - Arditi dell'Aviazione Arditi da Aviação) que pertenceu a Gabriele d'Annunzio, 1915-1918. Museo D’Annunzio Eroe, Vittoriale degli Italiani, Via al Vittoriale, Gardone Riviera, Província de Bréscia, Região de Lombardia, Itália.
Em seguida, podemos admirar o uniforme do almirante Costanzo Ciano, um dos participantes da operação conhecida como "La Beffa di Buccari" na companhia do poeta-soldado.
Ele participou com D'Annunzio no que mais tarde foi definido como o "Blefe ou Zombaria de Buccari", empurrando suas forças até a costa da Dalmácia, a leste de Fiume, e afundando um navio a vapor austríaco na baía de Buccari.
Um episódio da Primeira Guerra Mundial: um ataque noturno realizado entre 10 e 11 de fevereiro de 1918 por três lanchas armadas destruidoras de torpedos (MAS) da Marinha Real, que conseguiram penetrar no porto de Buccari (hoje Bakar, na Croácia), onde a navegação mercante austro-húngara estava atracada.
A ousada ação não teve consequências materiais significativas, mas seu impacto moral foi imenso, até porque ficou famosa por Gabriele D'Annunzio, que a imortalizou no livrinho de versos "La Beffa di Buccari".
Naquela ocasião, D'Annunzio jogou ao mar três garrafas flutuantes, coroadas com chamas tricolores, contendo uma mensagem poética e desdenhosa dirigida à marinha inimiga.

Uniforme comum de inverno com bicorne da Marinha Real Italiana, que pertenceu ao almirante Costanzo Ciano. Museo D’Annunzio Eroe, Vittoriale degli Italiani, Via al Vittoriale, Gardone Riviera, Província de Bréscia, Região de Lombardia, Itália.

Galhardetes dos "legionários fiumanos". Museo D’Annunzio Eroe, Vittoriale degli Italiani, Via al Vittoriale, Gardone Riviera, Província de Bréscia, Região de Lombardia, Itália.
Visitamos, na sequência, o Auditorium (Auditório), um espaço adjacente ao prédio de La Prioria, dedicado a conferências e eventos. Abriga a aeronave de reconhecimento e bombardeio leve SVA-10 de dois lugares (único no mundo, pois foi especialmente modificado para o poeta), com o qual ele sobrevoou Viena em 9 de agosto de 1918, lançando os famosos panfletos sobre a capital do Império Austro-Húngaro. O avião, decorado por Guido Marussig, chegou ao Vittoriale em 1935.

Aeronave Ansaldo SVA-10; aeronave de reconhecimento e bombardeiro pertencente a 87ª Squadriglia; avião de reconhecimento e bombardeiro leve italiano da Primeira Guerra Mundial e do período entre guerras; nele, Gabriele D'Annunzio realizou o voo histórico sobre a cidade de Viena em 9 de agosto de 1918, onde espalhou milhares de cartazes com conselhos de paz aos austríacos. Auditorium, Vittoriale degli Italiani, Via al Vittoriale, Gardone Riviera, Província de Bréscia, Região de Lombardia, Itália.
Seguindo as passarelas do Lago dos Cisnes, chega-se ao abrigo do barco MAS 96 - Motoscafo antisommergibili (barco antissubmarino) -, usado pelo Comandante durante a famosa Travessia de Buccari, o feito realizado pela Marinha Italiana ao lado de Costanzo Ciano e Luigi Rizzo na noite de 10 para 11 de fevereiro de 1918. Quando chegou a Gardone, o MAS 96 foi armazenado no cais da vizinha Torre San Marco, ainda de propriedade do Vittoriale, e usado pelo Comandante para entreter os convidados que vinham ao Vittoriale e para suas viagens de lazer no Lago di Garda.
Às 22h30 de 10 de fevereiro de 1918, o comboio com os três MAS (94, 95 e 96) chegou à costa da Ístria e pouco depois da meia-noite entrou na baía de Buccari lançando três torpedos que atingiram os vapores "Burma", "Visegrad", "Klumetzky" e "Beloma" sem os afundar. A surpresa foi tanta que as baterias austríacas não tiveram tempo de reagir, enquanto o soldado-poeta jogou na água três garrafas coroadas com fitas tricolores com uma mensagem zombeteira; daí "la Beffa". Após a ação, os três MAS voltaram ao mar aberto e retornaram ao porto de Ancona, onde foram recebidos com entusiasmo e as tripulações carregadas em triunfo. Pela coragem do empreendimento, D'Annunzio foi agraciado com a terceira medalha de prata por valor militar.
Retornando a Veneza, transcreveu parte da mensagem para sua amante Olga Levi Brunner, vulgo Venturina: “Apesar da cautelosa frota austríaca ocupada em meditar incessantemente a glória de Lissa nos portos seguros, os marinheiros da Itália vieram com ferro e fogo para abalar a prudência em seu refúgio mais confortável, os marinheiros da Itália, que riem de todo tipo de redes e grades, sempre prontos para ousar o impossível".

Acima, mapa da Ístria, região onde fica localizada Buccari; abaixo, desenho mostrando a manobra realizada pelos três MAS no ataque ao porto de Buccari, conhecido como "La Beffa di Buccari". Vittoriale degli Italiani, Via al Vittoriale, Gardone Riviera, Província de Bréscia, Região de Lombardia, Itália.

MAS 96 - Motoscafo antisommergibili (barco antissubmarino); utilizado por Gabriele D'Annunzio na manobra conhecida como "La Beffa di Buccari". Vittoriale degli Italiani, Via al Vittoriale, Gardone Riviera, Província de Bréscia, Região de Lombardia, Itália.
O parque e a vila são dominados pelo Mausoléu, onde D'Annunzio e seus fiéis companheiros, incluindo o arquiteto Gian Carlo Moroni, estão enterrados.
O projeto do Mausoléu, definido após a morte do Comandante, é concebido no modelo dos túmulos romanos: três círculos de pedra, dedicados à Vitória dos Humildes, dos Artesãos e dos Heróis, sustentam os arcos de mármore de Botticino, um presente da cidade de Vicenza, que circundam o do Comandante, localizado no centro e no ponto mais alto.
O poeta nunca o viu concluído, mas foi ele quem escolheu para seu sepultamento a colina mais alta do Vittoriale, chamada Mastio ou Colle Santo, para onde seu corpo foi transferido do Tempietto delle Memorie em 1963. Desde 2013, ao lado de Gabriele e seus companheiros, estão os cães de ferro e concreto de Velasco Vitali.

Mausoléu, onde estão os restos mortais de Gabriele D'Annunzio, companheiros de luta e o arquiteto de Vittoriale. Vittoriale degli Italiani, Via al Vittoriale, Gardone Riviera, Província de Bréscia, Região de Lombardia, Itália.

Sarcófago no alto da larga coluna que guarda os restos mortais de Gabriele D'Annunzio; ao lado da coluna, um dos cães de ferro de Velasco Vitali, de 2013. Mausoléu, Vittoriale degli Italiani, Via al Vittoriale, Gardone Riviera, Província de Bréscia, Região de Lombardia, Itália.

Interior do Mausoléu, com a Cruz e as placas que homenageiam os companheiros de luta mortos nas vários campanhas ocorridas em Fiume. Vittoriale degli Italiani, Via al Vittoriale, Gardone Riviera, Província de Bréscia, Região de Lombardia, Itália.

Detalhe do interior do Mausoléu. Vittoriale degli Italiani, Via al Vittoriale, Gardone Riviera, Província de Bréscia, Região de Lombardia, Itália.
Ao nos dirigirmos à saída do complexo, nos deparamos, no lado esquerdo, com o Parlaggio (Anfiteatro).
"Uma bacia de mármore sob as estrelas", assim Gabriele d'Annunzio imaginou o teatro ideal para suas peças, imerso no esplêndido cenário do Vittoriale, inspirado no de Wagner em Bayreuth, Alemanha. Deveria se chamar "Parlaggio".
Foi o poeta quem escolheu o local: um ponto panorâmico no parque, de onde se pode admirar a Isola del Garda, o Monte Baldo, a península de Sirmione e, sobretudo, a sugestiva Rocca di Manerba – na qual Goethe pensou reconhecer o perfil de Dante.
Em 1931, o poeta confiou o projeto ao arquiteto do Vittoriale, Gian Carlo Maroni. As obras começaram entre 1934 e 1935, mas foram logo interrompidas devido a dificuldades financeiras, agravadas pela eclosão da guerra e pela morte do poeta. Retomadas pelo testamento da Fundação vinte anos depois, em 1952, foram concluídas no ano seguinte.
Em 8 de agosto de 1953, o teatro foi solenemente inaugurado com um concerto da Orquestra do Teatro alla Scala, regida por Carlo Maria Giulini. Em 2020, graças à valiosa contribuição da Região da Lombardia, o Parlaggio foi revestido com mármore vermelho de Verona, a pedido de D'Annunzio.
O teatro, com capacidade para 1.500 lugares, abriga um prestigiado festival de verão, que traz alguns dos principais artistas da cena internacional de música, dança e teatro ao Vittoriale.

Parlaggio (Anfiteatro); vista do Lago di Garda. Vittoriale degli Italiani, Via al Vittoriale, Gardone Riviera, Província de Bréscia, Região de Lombardia, Itália.

Desde 2010, o "Cavallo Blu" (Cavalo Azul) de Mimmo Paladino domina o palco e o lago. Parlaggio (Anfiteatro), Vittoriale degli Italiani, Via al Vittoriale, Gardone Riviera, Província de Bréscia, Região de Lombardia, Itália.
Nosso passeio continua no próximo post, ainda nas margens do Lago di Garda: Bardolino e Peschiera del Garda, na Região de Vêneto, e Sirmione, na Região da Lombardia.
Fontes:
Wikipedia;
Guide: Fabuleuse Italie du Nord: Rome, Florence, Venise, pesquisa e redação de Louise Gaboury, direção de Claude Morneau, versão eletrônica, 2019, Guides de Voyage Ulysse, Québec, Canada.






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