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Bogotá - Parte II - Colômbia - 2011

  • Foto do escritor: Roberto Caldas
    Roberto Caldas
  • 27 de mai. de 2023
  • 19 min de leitura

Atualizado: 6 de jun. de 2023


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Plaza Nuñez, entre a Casa de Nariño e o Capitolio Nacional de Colombia; ao fundo, o Museo Santa Clara (antiga Iglesia e Convento de Santa Clara - n. 27 do croqui). Carrera 7, Bogotá, Distrito Capital, Colômbia.



Bogotá




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Croqui de Santafé de Bogotá, por volta de 1800; no mapa, pode-se observar o traçado urbano em tabuleiro de damas, próprio das colônias hispânicas; a cidade colonial encontrava-se em torno da Plaza Mayor (n. 1), onde estavam reunidos os poderes civil (sede da Real Audiencia) e religioso (n. 2 - Catedral), constituindo-se no centro das dinâmicas urbanas; o mapa também revela a importância do catolicismo, evidenciada pelo grande número de igrejas e conventos (sinalizados pela +) em relação ao tamanho da cidade. https://babel.banrepcultural.org/digital/collection/p17054coll13/id/713/


Na sequência do post anterior, fomos à Plaza de Bolívar, antiga Plaza Mayor (n. 1 do croqui), centro da cidade colonial.


A Plaza Mayor foi instalada praticamente com a fundação da cidade, na primeira metade do século XVI, e tinha, até 1583, uma coluna de madeira ou pedra (picota ou pelourinho), que representava o poder real e servia de local de castigos para os condenados; esta foi substituída por uma fonte.


Na época colonial, servia de praça de mercado e era onde se realizavam proclamações e festas para os vice-reis, corridas de touros, espetáculos circenses e outros eventos cívicos e sociais.


Após a independência da Colômbia, passou a chamar-se, em 1821, Plaza de la Constitución, e, em, 1847, após a colocação da estátua de el Libertador em seu centro, foi denominada Plaza de Bolívar.


A praça, hoje, tem em seu entorno vários edifícios importantes para o país e para a cidade: Palacio Líevano sede da Alcaldía Mayor de Bogotá; Capitolio Nacional de Colombia, sede do Congresso da República; Palacio de Justicia, sede do Poder Judiciário Nacional; Catedral Primada; Capilla del Sagrario; e Palacio Arzobispal.




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Plaza Mayor de Bogotá, 1846, aquarela de Edward Mark. Biblioteca Luis Ángel Arango, Banco de la República. Na obra, veem-se representadas, na praça, a Catedral Primada Basílica Metropolitana de la Inmaculada Concepción (n. 2 do croqui), a Casa Capitular, a Capilla del Sagrario (n. 3 do croqui) e a antiga Casa de la Aduana (demolida para dar lugar ao atual Palacio Arzobispal); à direita, a torre da Iglesia de San Ignacio (antiga San Carlos, n. 4 do croqui) e o torreão da bandeira do Colegio Mayor de San Bartolomé (n. 5). https://es.wikipedia.org/wiki/Plaza_de_Bol%C3%ADvar#/media/Archivo:Plaza_Mayor_de_Bogot%C3%A1,_1846.JPG


O Capitolio Nacional de Colombia foi edificado por iniciativa do então presidente de Nueva Granada Tomás Cipriano de Mosquera a partir do projeto do arquiteto dinamarquês Thomas Reed.


A pedra fundamental foi protocolarmente colocada em 20 de julho de 1847, mas o edifício ficou pronto somente em 1911, necessitando de algumas obras complementares até 1926.


Trata-se de um edifício simétrico de arquitetura republicana e neoclássica, construído com pedra trabalhada, cal e areia; a fachada voltada para a Plaza de Bolívar tem um grande pórtico central suportado por seis fileiras de três colunas jônicas (com remates em volutas) que dá para um grande pátio.


O Capitolio é a sede do Congresso Nacional colombiano (poder legislativo), formado pelo Senado de la República e pela Cámara de Representantes.




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Capitolio Nacional de Colombia, sede do Congresso Nacional, estilo neoclássico, com seu imponente pórtico sustentando por três fileiras de colunas jônicas. Plaza de Bolívar, calle 10 n. 7- 51, Bogotá, Distrito Capital, Colômbia.


Na então Plaza de la Constitución, no lado onde existe a carrera 8, funcionava o Consejo Municipal e outros prédios públicos, mas, após os terremotos de 1827 e 1829, os edifícios ficaram bastante danificados, ocasião em que o governo municipal resolveu construir uma nova sede na metade da quadra; na outra metade, os irmãos Juan Manuel e Manuel Antonio Arrubla edificaram as chamadas Galerías Arrubla, concluídas em 1848, para o funcionamento de armazéns comerciais.


Ocorre que, em 1900, um grande incêndio praticamente destruiu as edificações; por iniciativa de um dos proprietários, o engenheiro Indalecio Liévano, foi erguido um novo edifício, com base no projeto do arquiteto francês Gastón Lelarge, estilo arquitetônico renascimento francês, com telhado ornado de mansardas (janelas destacadas sobre o telhado) e detalhes ornamentais em ferro, concluído por volta de 1910; continuou parte do edifício ocupado pelo Palacio Municipal e a outra, pelos armazéns; o engenheiro Liévano colocou uma placa com seu nome no meio do edifício, embora fosse proprietário de menos da metade do imóvel, por isso até hoje o prédio é conhecido assim: Palacio Liévano.


Em 1974, a parte dos armazéns foi adquirida pelo governo municipal; todo o edifício assim foi ocupado pela Alcaldía Mayor de Bogotá (Prefeitura Municipal de Bogotá).




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Palacio Líevano, sede da Alcaldía Mayor de Bogotá, início do século XX, estilo renascimento francês. Plaza de Bolívar, carrera 8 n. 10-65, Bogotá, Distrito Capital, Colômbia.


Já na calle 11, na altura da Plaza de Bolívar, observamos o Palacio de Justicia, sede de vários órgãos do Poder Judiciário colombiano.


O Palacio de Justicia funcionou em três edifícios: o primeiro, localizado na calle 11 com a carrera 6, construído na década de 1920, ficou bastante danificado em razão dos distúrbios ocorridos no dia 9 de abril de 1948, conhecidos como "Bogotazo"; o segundo, já na Plaza de Bolívar, foi erguido na década de 1960, com base no projeto de Roberto Londoño, estilo modernista com elementos neoclássicos, mas foi praticamente destruído durante a tomada do prédio, em 6 de novembro de 1985, por guerrilheiros do M-19 (Movimento 19 de abril, de orientação marxista), que redundou na morte de quase 100 pessoas, incluindo 15 magistrados, dentre eles o então presidente da Corte Suprema, Alfonso Reyes Echandía; o terceiro, o prédio atual, de estilo moderno, erguido no mesmo local do anterior, foi inaugurado em 2004, e recebeu o nome de Alfonso Reyes Echandía, o presidente da corte morto na funesta operação da guerrilha marxista.


Na entrada do edifício pela Plaza de Bolívar (calle 11), encontra-se a única peça da antiga estrutura; uma placa com a frase do general Francisco de Paula Santander, que lutou nas guerras da independência das colônias sul-americanas: "Colombianos, as armas lhes deram independência, as leis lhes darão liberdade" (tradução livre do espanhol).


No edifício, estão sediados hoje os seguintes órgãos: Corte Suprema de Justicia, Corte Constitucional, Consejo de Estado e Consejo Superior de la Judicatura.




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Palacio de Justicia, sede das cortes superiores da Colômbia; no alto do pórtico de entrada encontra-se a frase do general Santander: "Colombianos, las armas os han dado independencia, las leyes os darán libertad". Plaza Bolívar, calle 11, Bogotá, Distrito Capital, Colômbia.


Já no costado oriental da Plaza de Bolívar, nós observamos o conjunto religioso principal de Bogotá: a Santa Iglesia Catedral Primada Basílica Metropolitana de la Inmaculada Concepción en Bogotá; a Casa Capitular; a Capilla del Sagrario; e o Palacio Arzobispal.


A Capilla del Sagrario (n. 3 do croqui) foi erguida entre 1656 e 1700 ao lado da Catedral e da Casa Capitular, por esforço do sargento-mor Gabriel Gómez de Sandoval, tesoureiro da Confraria do Santíssimo, já que o Santíssimo Sacramento ficava em uma das capelas laterais da catedral, mas se fazia necessária uma maior para acolhê-lo.


A referida capela tem o formato de uma cruz latina, em cujo cruzamento encontra-se um zimbório ou cúpula; na nave norte do cruzeiro há uma passagem para comunicação com a catedral, posto que faz parte do conjunto catedralício.


A portada da fachada é uma das peças em pedra mais significativas da arquitetura colonial da Colômbia; são três corpos: o primeiro é um arco de meio ponto, tendo no alto a data 1689, ladeado por duas colunas estriadas; o segundo é composto por duas colunas salomônicas e dois nichos, ocupados por imagens da Virgem Maria e do Arcanjo São Gabriel, tendo no meio, entre duas folhas de acanto, as Armas da Espanha; no terceiro pode-se ver uma anjo levantando a Eucaristia, da qual saem cachos de uva, tudo emoldurado por duas colunas salomônicas sustentando um frontão aberto encimado por um óculo.


Chama atenção no seu interior o cibório instalado no altar, na década de 1950, coroado por dois arcanjos e, no centro, no alto da cúpula, a imagem de Nossa Senhora da Imaculada Conceição.


Atualmente, a capela se encontra sob os cuidados da Comunidad de las Hijas de la Iglesia, que são responsáveis pela adoração perpétua ao Santíssimo Sacramento.


A Casa del Cabildo Eclesiástico ou Casa Capitular foi edificada entre 1627 e 1630, em três andares, por iniciativa do arcebispo Julián de Cortázar y Carrillo, entre a Catedral Primada e a Capilla del Sagrario, com o propósito de sediar as reuniões do Cabido da Catedral, bem como abrigar o arquivo episcopal, inclusive a coleção de partituras (sinfonias e coros) da Capilla Musical.


O cabido de cônegos da catedral é o colégio de sacerdotes ao qual compete realizar as funções litúrgicas mais solenes do templo, bem como outras que lhe sejam confiadas pelo direito canônico ou pelo bispo diocesano, como temas logísticos ou de convivência.

Ao sul da Capilla del Sagrario encontra-se o atual Palacio Arzobispal, construído entre 1952 e 1959 para substituir o palácio anterior, que se localizava na calle 14 com carrera 6, contíguo à Casa de Moneda, destruído em abril de 1948, quando dos levantes populares conhecidos como "Bogotazo" (citado quando se falou no post anterior - Bogotá, parte I - do edifício que abriga atualmente o Museo Botero),


O lote que era ocupado pela antigo palácio foi vendido ao Banco de la República para ampliar a Casa de Moneda, e, em seguida, se aceitou a doação, feita pela dona Margarita Herrera de Umaña e sua fiha Inés, da casa da esquina sul-oriental da Plaza de Bolívar, chamada de Casa de la Aduana, que lá se encontrava desde 1793 (que serviu de prisão para o vice-rei Amar y Borbón e, depois de 20 de julho de 1810, como despacho para o vice-rei Sámano e o general Pablo Morillo, durante a reconquista), bem como foram adquiridos outros imóveis lindeiros de propriedade do dom Alberto Suárez e da senhora Gutiérrez de Hererich e uma casa da Sociedade de São Vicente de Paulo.


O projeto do atual palácio foi realizado pela escritório Esguerra, Sáenz, Urdaneta, Suárez Ltda, tendo como gerente Álvaro Sáenz Camacho, sob protesto de outros arquitetos em razão da demolição da Casa de la Aduana, posto não ser possível adaptá-la para servir como casa arcebispal.


Em 1952, deu-se início à construção do palácio, que teve como mote principal a harmonia com o entorno, de forma a não romper com a arquitetura predominante na Plaza de Bolívar e suas edificações principais: Catedral Primada, Capilla del Sagrario e Capitolio Nacional. Na nossa opinião, o objetivo foi plenamente alcançado; em estilo neoclássico, o bonito edifício do Palacio Arzobispal faz par com o Capitolio Nacional.


Por último, em razão de sua importância, voltamos nosso olhar à Santa Iglesia Catedral Primada Basílica Metropolitana de la Inmaculada Concepción en Bogotá, mais conhecida como Catedral Primada de Colombia (n. 2 do croqui).


No começo da colonização espanhola, era uma simples igreja coberta de palhas, provavelmente erguida em 1539. No período de mais de dois séculos foram realizadas ampliações e reconstruções até que, em 1785, um terremoto que atingiu Bogotá afetou seriamente o edifício, exigindo que as autoridades empreendessem obras, sob o comando do engenheiro Domingo Esquiaqui, inclusive expandindo o prédio em direção aos terrenos do antigo Hospital de São Pedro e do Oratório de São Felipe Néri.


No início do século XIX, assumiu a gestão da obra o frei capuchinho Domingo de Petrés, que deu uma feição maior à obra, introduzindo o estilo neoclássico, predominante na parte exterior do templo.


Infelizmente, o frei construtor faleceu em 1811 sem vê-la terminada, mas seu discípulo Nicolás León assumiu a missão, e, apesar da época tumultuada, particularmente pelo processo de independência, conseguiu concluí-la, tendo sua consagração ocorrido em 19 de abril de 1823 por dom Hilario José Rafael Lasso de la Vega y de la Rosa Lombardo, antigo bispo de Mérida de Maracaibo (Venezuela).


Sofreu várias intervenções na segunda metade do século XIX e no século XX, particularmente alterações no interior do templo, com predomínio do estilo neoclássico, tão em voga na época.


A Catedral Primada se destaca pela sua fachada neoclássica, na qual seu corpo central, encimado por um alto frontão, cria um eixo de simetria na composição, alcançando um belo equilíbrio com as torres laterais.


A catedral é a sede do arcebispo de Bogotá, o primaz da Colômbia.




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Lado oriental da Plaza de Bolívar, onde se veem, da esquerda para direita, a Catedral Primada (estilo neoclássico, 1823), a Casa Capitular (três andares, colonial, 1630), a Capilla del Sagrario (portal colonial, 1700) e o Palacio Arzobispal (estilo neoclássico, 1959). Carrera 7, Bogotá, Distrito Capital, Colômbia.


Um dos destaques da Catedral Primada é a Capilla de Santa Isabel de Hungría; a referida santa é a padroeira da Arquidiocese de Bogotá pela seguinte razão: o segundo arcebispo de Santafé de Bogotá, dom Luis Zapata de Cárdenas (1571-1590), recebeu como presente algumas relíquias da santa, vários ossos e parte de seu crânio, por isso consagrou-lhe a capital da então Real Audiencia del Nuevo Reino de Granada.


Santa Isabel da Hungria e da Turíngia era filha de André II, rei da Hungria, e da rainha Gertrudes de Andechs-Meran; casou-se com o duque Luís da Turíngia, mas seu marido faleceu de peste em Otranto, sul da Itália, quando partia para a quinta cruzada na companhia de Frederico II, imperador do Sacro Império Romano-Germânico e rei da Sicília, da dinastia de Hohenstaufen; viúva, tomou o hábito da Ordem Terceira de São Francisco; em Marburg, na atual Alemanha, assistia diretamente os pobres e doentes; faleceu naquela cidade em 1231, com apenas 24 anos, sendo canonizada pelo Papa Gregório IX em 1235.


Na capela, além do altar com retábulo em mármore, realizado por Giuseppe Cassioli, no início do século XIX, e da pintura representando Santa Isabel da Hungria curando os tinhosos (acometidos de tinha da cabeça, peladuras provocadas por fungos), realizada por Domínguez e inspirada na obra do famoso pintor espanhol Bartolomé Murillo, se destacam os túmulos de Gonzalo Jiménez de Quesada, fundador da cidade de Santafé de Bogotá, e do líder militar Antonio Nariño, um dos heróis da independência de Nueva Granada.




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Vista da Capilla de Santa Isabel de Hungría, padroeira da Arquidiocese de Bogotá; ao fundo, observam-se o retábulo em mármore, obra do escultor italiano Giuseppe Cassioli, do início do século XX, e, no centro, o quadro a óleo, inspirado no original do pintor espanhol Murillo, “Santa Isabel curando a los tiñosos”, cópia de Domínguez. Catedral Primada de Colombia, Plaza de Bolívar, carrera 7, Bogotá, Distrito Capital, Colômbia.




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Monumento fúnebre e túmulo do fundador de Santafé de Bogotá Gonzalo Jiménez de Quesada, com uma escultura do homenageado deitado, obra realizada em 1938 pelo escultor colombiano Luis Alberto Acuña Tapias; ao fundo, vê-se novamente a pintura "Santa Isabel da Hungria curando os tinhosos". Capilla de Santa Isabel de Hungría, Catedral Primada de Colombia, Plaza de Bolívar, carrera 7, Bogotá, Distrito Capital, Colômbia.




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Monumento fúnebre e túmulo do líder político e militar Antonio Nariño, com seu busto no alto, possivelmente obra do escultor francês M. Pourquet, concluída em 1913. Capilla de Santa Isabel de Hungría, Catedral Primada de Colombia, Plaza de Bolívar, carrera 7, Bogotá, Distrito Capital, Colômbia.


No centro da praça, encontra-se a estátua em bronze do homenageado, obra do escultor italiano Pietro Tenerani, encomendada por José Ignacio París e inaugurada em 20 de julho de 1846 pelo então presidente da República de la Nueva Granada, general Tomás Cipriano de Mosquera.


Simón Bolívar é o grande herói militar e político das lutas pela independência das colônias espanholas da América do Sul, particularmente das regiões que se tornaram os seguintes países: Venezuela, Equador, Colômbia, Peru e Bolívia; por isso o epíteto el Libertador.


Simón José Antonio de la Santísima Trinidad Bolívar Palacios Ponte y Blanco; nasceu em Caracas, atual Venezuela, em 24 de julho de 1783; filho de aristocratas criollos, Juan Vicente Bolívar e María de la Concepción Palacios y Blanco, perdeu os pais ainda criança, tendo sido educado por seu tio Carlos Palacios y Blanco e o professor Simón Rodríguez; influenciado pelas ideias iluministas e pelos ideais revolucionários franceses, passou a admirar Napoleão Bonaparte, mas, em uma viagem à França, ao assistir a coroação do corso na Catedral de Notre Dame, em Paris, como "Imperador dos Franceses", em 1804, ficou muito decepcionado com ele, vendo-o como traidor dos princípios da Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade:


"Agora o mar da revolução chafurdava sob o tricórnio do poder absoluto; Napoleão ele mesmo tomava o diadema das mãos trêmulas do papa para colocá-la sobre suas próprias têmporas sob o vidro cravejado de rosas de Notre Dame, e Bolívar, que havia recebido convite do embaixador da Espanha para assistir à cerimônia e o havia recusado com indignação, se deslocou por sua conta, naquele 2 de dezembro de 1804, e preferiu ver a cena no meio da multidão, não a partir dos palanques dos convidados oficiais, como mostra de seu mal-estar.


"O sangue republicano ardia em suas veias, Viu no imperador um traidor da causa da liberdade, ainda que não deixasse de estremecer vendo um milhão de pessoas rugir nas ruas sua admiração por aquele tenente de artilharia exaltado por seus méritos à condição de rei e de semideus. A integridade de Napoleão estava em dúvida, mas sua glória era incontestável, e o jovem de Caracas sonhava com uma glória semelhante, ainda que a preferisse conquistada por uma causa mais nobre. No fundo, até podia se sentir satisfeito de que Napoleão houvesse cedido à ambição: havia se apoderado do título de imperador dos povos, mas talvez tivesse deixado para outro o título mais honroso de libertador das nações." (págs. 21/22, tradução livre do espanhol) - "En Busca de Bolívar", de William Ospina; Grupo Editorial Norma, Bogotá, 2010.

"(...) Miranda tinha uma dignidade também inelutável, de modo que transcorreu um bom tempo antes de ele compreender que também dessa vez lhe cabia tomar a iniciativa (...).


"(...) ele recitava um poema que naqueles dias estava compondo na memória (...) Ela se comoveu, citou três nomes procurando adivinhar o autor.


"- É de um militar - disse ele.


"(...)


"Ela se lembrou do que dissera ao pai depois do almoço do senhor Hyslop.


"- Só pode ser Bonaparte.


"- Quase - disse o general -, mas a diferença moral é enorme, porque o autor do poema não permitiu que o coroassem." (pág. 85) - "O General em seu Labirinto", de Gabriel García Márquez, tradução Moacir Werneck de Castro; Editora Record, Rio de Janeiro, 1989.


Ainda na mesma época, em Paris, Bolívar vai encontrar Alexander von Humboldt, o grande naturalista e explorador alemão da primeira metade do século XIX, que lhe abriria os olhos para a oportunidade que surgira para os movimentos de libertação das colônias espanholas na América:


"Estivera pensando no barão desde antes de recolherem o alemão, pois não podia imaginar como sobrevivera naquela natureza indômita. Conhecera-o em Paris, quando Humboldt voltava de sua viagem pelos países equinociais, e tanto como a inteligência e o saber surpreendeu-o o esplendor de sua beleza, como jamais tinha visto igual numa mulher. Mas o que o convenceu menos foi a certeza manifestada por Humboldt de que as colônias espanholas estavam maduras para a independência. Dissera-o assim, sem um tremor na voz, quando a ele isso não ocorria nem como um devaneio dominical.


"- Só o que falta é o homem - disse Humboldt.


"O general o contou a José Palacios muitos anos depois, em Cusco, vendo-se talvez a si mesmo por cima do mundo, quando a história acabava de demonstrar que o homem era ele. Não repetiu a ninguém, mas, cada vez que falava no barão. aproveitava a oportunidade para render homenagem à sua clarividência.


" - Humboldt me abriu os olhos." (págs. 101-102) "O General em seu Labirinto", de Gabriel García Márquez, tradução Moacir Werneck de Castro; Editora Record, Rio de Janeiro, 1989.


"O hóspede desconhecido do salão era um barão alemão de uns trinta e cinco anos. Pelo que dizem seus retratos e seus livros, bem podia eclipsar a Bolívar naquela sala, porque tinha sua elegância e um certo brilho de predestinação, mas o superava em toda classe de conhecimentos e não era inferior na capacidade de expressar-se com convicção e de subjugar ao auditório. E algo mais desconcertante: aquele alemão, quatorze anos mais velho que ele, sabia mais da Venezuela e da América hispânica que todos os homens de seu tempo e, certamente, infinitamente mais que Bolívar.


"Era Alexandre de Humboldt, e acabara de regressar de uma viagem de cinco anos que o levara pela Venezuela e por Cuba, por Nueva Granada, a província de Quito e o vice-reinado do Peru; depois havia passado um ano inteiro no México, a Nueva España, e acabara de cruzar o território norte-americano e de conversar com os grande homens que haviam alcançado a independência dos Estados Unidos.


"(...)


"Mas mais definitivo para a história foi o encontro de Humboldt com Bolívar: a versão da América equinocial que pregavam seus lábios foi uma revelação para o jovem. Ele cria saber a que mundo pertencia, mas os olhos de Humboldt eram os olhos da Ilustração [Iluminismo] e do romantismo (...).


"O próprio Bolívar disse que Humboldt havia visto em três anos no novo continente mais do que haviam visto os espanhóis em três séculos. O sábio alemão combinava lucidez e paixão (...)


"Sonhava com a emancipação mas não acabara de concebê-la, e talvez o momento mais decisivo daquele encontro foi quando Humboldt, ouvindo-lhe exclamar que o Novo Mundo somente poderia cumprir seu destino se conseguisse se livrar do domínio espanhol, lhe assegurou ao jovem, que seguia pensativo após escutá-lo, que as colônias americanas estavam em condições de tornarem-se independentes. Depois, Humboldt, com o rosto resoluto e o olhar de quem havia visto tudo, acrescentou, sem imaginar que fogo estava acendendo com esse olhar: 'Seu país está maduro para a independência, mas eu francamente não vejo quem poderia encarregar-se de dirigir essa empresa'"


(...) a mensagem de Humboldt ficou cravada sem dúvida na sua carne como um espinho irremediável, e a partir daquele momento Bolívar somente sonhou com a liberdade de sua terra, e começou a pressentir que seria ele esse homem que Humboldt reclamava e que não acreditava ter encontrado (...)" (tradução livre do espanhol - págs. 23-28) "En Busca de Bolívar", de William Ospina; Grupo Editorial Norma, Bogotá, 2010.


Em 27 de dezembro de 1805, Bolívar, ainda em Paris, foi iniciado na Maçonaria de Rito Escocês, tomando o grau de mestre da ordem em janeiro de 1806; após o início da revolução venezuelana, em 19 de abril de 1810, Bolívar vai a Londres em missão diplomática, ocasião em que conhece o grande incentivador da liberdade sul-americana, o também venezuelano Francisco Miranda, de quem vai se tornar discípulo, começando a combater os espanhóis como seu subordinado, mas posteriormente se distanciar, acusando-o de traidor por ter assinado a capitulação das tropas revolucionárias às forças realistas, em 1812; após um curto exílio em Curaçao, em dezembro de 1812, entrou no território de Nueva Granada e lançou o "Manifesto de Cartagena"; daí partiu para anos de guerras pela independência, com uma lista de batalhas memoráveis, sob seu comando direto ou indireto: La Victoria, San Mateo, primeira batalha de Carabobo, Boyacá, segunda batalha de Carabobo, Bomboná, Pichincha, Junín e Ayacucho, esta última vencida pelo general Antonio José de Sucre em 9 de dezembro de 1824 e que praticamente encerrou o domínio espanhol na América.


Com essa estupenda trajetória guerreira, Bolívar é respeitado internacionalmente como um grande estrategista militar; a sua passagem dos Andes é comparável à realizada por Aníbal, general de Cartago, nos Alpes, em 218 a.C., quando da invasão da península itálica, para atacar Roma.


"À cabeça de suas tropas, Bolívar acabava de cumprir o feito mais audaz e definitivo de suas campanhas, a passagem inesperada dos Andes por gargantas inclementes, por páramos onde morriam às dezenas seus pobres soldados, por pântanos que deviam atravessar dias inteiros com a água na cintura, cuidando mais das armas no alto do que dos corpos na umidade e na lama, para golpear com surpresa os espanhóis precisamente no flanco pelo qual eles nunca esperavam um ataque, e libertar, em um campanha tão breve e ofuscante como um relâmpago, o território central de Nueva Granada". (tradução livre do espanhol - pág. 195) "En Busca de Bolívar", de William Ospina; Grupo Editorial Norma, Bogotá, 2010.


Durante a libertação de Quito, ao lado de Sucre, Bolívar conheceu Manuela Sáenz, sua eterna amante.


Bolívar tinha o sonho da formação da Gran Colombia, unindo os territórios dos distritos norte (Venezuela), centro (Nueva Granada) e sul (Quito), mas que foi realidade apenas de 1821 a 1830, quando neste último ano foram criadas as Repúblicas do Equador e da Venezuela, passando o distrito central a chamar-se, a partir de 1832, República de la Nueva Granada.


Bolívar foi presidente da República de Colombia (Gran Colombia), englobando aproximadamente os territórios ocupados atualmente pela Colômbia, Venezuela, Equador e Panamá, de 17 de dezembro de 1819 a 4 de maio de 1830, quando de fato saiu da presidência, embora tenha apresentada a carta de renúncia em 27 de janeiro daquele ano.


Durante o exercício da presidência, em contradição ao que jurara, quando assistiu a Napoleão tornar-se imperador, Bolívar, em agosto de 1828, expediu o Decreto Orgânico da Ditadura, se declarando ditador por dois anos, ou seja, até 1830. Por conta disso, em 25 de setembro de 1828, um grupo de dissidentes políticos realizou um atentado contra Bolívar, que se encontrava na ocasião com Manuela Sáenz, no Palacio de San Carlos (n. 4 do croqui); Manuela foi golpeada gravemente, mas sobreviveu, enquanto Bolívar conseguiu fugir, saltando por uma janela, passando a noite escondido sob a Puente del Carmen (n. 22 do croqui), atual carrera 5 com calle 7, no rio San Agustín (n. 43 do croqui), ocasião em que adquiriu pneumonia.


Em 8 de maio de 1830, Bolívar deixou definitivamente Bogotá com o objetivo de voltar a Venezuela, mas morreu em 17 de dezembro do mesmo ano na Quinta de San Pedro Alejandrino, em Santa Marta, ainda em Nueva Granada (Colômbia), sem alcançar sua terra natal:


"Os dias de Santa Marta se tornaram lúgubres que quando o general recobrou um pouco de sossego e reiterou a disposição de ir para a casa de campo do senhor Mier o doutor Révérend foi o primeiro a animá-lo (...).


"La Florida de San Pedro Alejandrino, a uma légua de Santa Marta, nos contrafortes de Sierra Nevada, era uma fazenda de cana-de-açúcar com um engenho para fazer rapadura. Na berlina do senhor de Mier, lá se foi o general pelo caminho empoeirado que dez dias depois seu corpo, sem ele, iria percorrer em sentido contrário, embrulhado na velha manta de páramos, em cima de um carro de boi. (...)." (págs. 251 e 252).


"(...)


"(...) estremeceu à revelação deslumbrante de que a corrida louca entre seus males e seus sonhos chegava naquele instante à meta final. O resto eram as trevas.


"- Carajos! - suspirou. - Como vou sair deste labirinto?


"Examinou o aposento com a clarividência de quem chegou ao fim, e pela primeira vez viu a verdade: a última cama emprestada, o toucador a refletir, o jarro d'água de porcelana descascada, a toalha e o sabonete para outras mãos, a pressa sem coração do relógio octoganal desenfreado para o encontro inelutável de 17 de dezembro, à uma hora e sete minutos de sua tarde final. Então cruzou os braços contra o peito e começou a ouvir as vozes radiosas dos escravos cantando a salve-rainha das seis nos trapiches, e avistou no ceú pela janela o diamante de Vênus que ia embora para sempre, as neves eternas, a trepadeira nova cujas campânulas amarelas não veria florescer no sábado seguinte na casa fechada pelo luto, os últimos fulgores da vida que nunca mais, pelos séculos dos séculos, tornaria a se repetir." (pág. 266) "O General em seu Labirinto", de Gabriel García Márquez, tradução Moacir Werneck de Castro; Editora Record, Rio de Janeiro, 1989.




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Monumento a Simón Bolívar, el Libertador, a efígie tem na sua mão direita uma espada, simbolizando a luta pela liberdade; na mão esquerda, a Constituição, representando a criação da República; no peito, a representação do medalhão com o rosto de George Washington, primeiro presidente dos Estados Unidos da América, ofertado pelo governo daquele país em 1825; e, sobre o corpo, uma capa que rende homenagem aos imperadores romanos. Plaza de Bolívar, Bogotá, Distrito Capital, Colômbia.


Em seguida fomos às proximidades da sede da Presidência da República e residência oficial do presidente, conhecida como Casa de Nariño ou Palacio de Nariño.


Antonio Amador José Nariño y Álvarez del Casal, político e militar colombiano, é um dos precursores da emancipação das colônias americanas do Império Espanhol; em razão de ter traduzido, por volta de 1794, a "Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão", editado pela Assembleia Nacional da França em 1789, ele foi capturado e permaneceu preso por quase 16 anos; após ser libertado, participou do primeiro movimento de independência, em 1810, mas foi derrotado, em 1814, pelas tropas realistas em Pasto, sendo preso e deportando para Cádiz, na Espanha, onde permaneceu custodiado até 1820; ao retornar à América, juntou-se, em 1821, ao movimento liderado por Bolívar, tendo exercido o cargo de senador, vindo a falecer em 1823.


Foi presidente das Provincias Unidas de la Nueva Granada, de setembro de 1811 a 1813, e, a convite de Simón Bolívar, em 1821, tornou-se vice-presidente da República de Colombia (Gran Colombia).


Antonio Nariño nasceu, em 9 de abril de 1765, no imóvel que existia no local onde se localiza atualmente o Palacio de Nariño.


O então presidente dos Estados Unidos de Colombia, Rafael Nuñez, determinou, em 23 de outubro de 1885, a aquisição da casa para servir de residência presidencial.


A partir de 1904, já sob o governo do general Rafael Reyes, a maior parte do imóvel foi demolido e substituído por uma estrutura de dois andares, com fachada em pedra e amplas dependências, desenhada pelo arquiteto francês Gastón Lelarge em colaboração com o arquiteto colombiano Julián Lombana.


Em 1908, após a inauguração do novo palácio, o presidente da República de Colombia, general Rafael Reyes, transferiu também a Presidência da República para o local, que passou a chamar-se Palacio de la Carrera.


Em 1972, iniciou-se uma ampla reforma na edificação, sob a direção do arquiteto Fernando Alsina, concluída em 1978.


Atualmente, o Palacio Nariño é sede do poder executivo colombiano e residência oficial do Presidente da República.


Na época em que o visitamos, 2011, não podemos nos aproximar muito do edifício por razão de segurança, haja vista o risco da prática de terrorismo por guerrilhas marxistas, como as Fuerzas Armadas Revolucionarias de Colombia (FARC), ou pelo narcotráfico.




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Fachada posterior da Casa de Nariño ou Palacio de Nariño, 1908, (Palácio Presidencial). Calle 7, Bogotá, Distrito Capital, Colômbia.


No nosso próximo post, continuaremos passeando por Bogotá, começando pela Iglesia de San Agustín.



Fontes:


Wikipedia;









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